As técnicas processuais para combater a advocacia predatória

A litigância predatória é uma forma de abuso do direito de ação e pode ser freada a partir de técnicas processuais já consagradas.
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Silvio Guidi

Advogado egresso

Os nomes são vários: litigância predatória, assédio judicial, sham litigation, e por aí vai. Dão significado para uma postura reprovável juridicamente; aquela de abusar do direito de acesso à Justiça para obter outras vantagens, que não a tutela jurisdicional propriamente dita. Esse uso indevido do direito de petição perante o Judiciário tem sido prática cada vez mais comum na realidade brasileira. Tanto assim que o CNJ, em 2022, editou norma com fortes recomendações para orientar os tribunais a lidar com o que chamou de “demandas opressivas”.

O direito antitruste já há tempos lida com esse tema. Como forma ilícita de oprimir a concorrência, certas empresas iniciam ações judiciais com o único propósito de gerar ônus para os demais atores do mercado, seja pela necessidade de arcar com custos processuais, seja pelo impacto negativo causado pela simples notícia da existência dessas ações judiciais.

Mas as demandas opressivas são reveladas por outras formas. Uma que merece destaque tem correlação com a advocacia predatória, que é caracterizada pelo ajuizamento de ações padronizadas, de conteúdo genérico e distribuídas em grande volume. Também em 2022, o TJSP condenou em R$ 15 mil um escritório de advocacia e dois advogados, que compunham a banca, a indenizar a empresa contra quem litigavam. A condenação, que veio a título de indenização por danos morais, foi acompanhada de multa por litigância de má-fé em 05 salários.

Neste caso de São Paulo, e em tantos outros, alguns traços de abuso de direito de acesso ao Poder Judiciário são comuns, com destaque para a falta de interesse dos autores da ação na efetivação da tutela jurisdicional. Há uma espécie de captação ilícita de clientes, pois os autores da ação não têm a sensação de que algum direito seu foi violado, buscando a consequente reparação. Em outros casos, os autores da ação sequer têm conhecimento do processo, sendo que a procuração juntada aos autos é tão genérica, que a própria demonstração da capacidade postulatória fica prejudicada. Outras peculiaridades é que, nesses casos, as petições têm enorme identidade, e nelas é possível perceber traços esquecidos de fatos ou provas relativas a outros casos. Nomes trocados e textos desconexos com a discussão posta em juízo são evidências claras de despersonificação do direito discutido nas ações judiciais.

A identificação de demandas opressivas pode permitir que fornecedores não sejam efetivamente processados, tampouco condenados nessas ações massificadas. Afinal, falta a elas o elemento para o desenvolvimento regular do processo, incluindo o interesse processual. Tudo isso é causa de extinção prematura da ação, sem o julgamento do mérito, tal como determina o artigo 485, nos incisos IV e VI do CPC.

A identificação de múltiplas demandas, passo anterior à configuração do caráter opressivo, pode autorizar o pedido de reunião de todas essas ações, a bem de serem decididas em um único juízo. Mesmo que não haja entre elas as características reveladoras da conexão ou continência, o §3º do artigo 55 do CPC autoriza o julgamento conjunto de processos “que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”. Uma vez reunidas, ficará mais fácil a caracterização da advocacia predatória.

A advocacia predatória é um desserviço. Ao postular falsas demandas, acaba por incrementar ônus desnecessários a toda a sociedade, com destaque para o próprio aparelho Judiciário, como também àqueles que dela são vítimas. Para esses, como se viu, há ferramentas processuais disponíveis, aptas a minimizar os custos da falsa judicialização e impor condenações severas àqueles que promovem a advocacia predatória.

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