O novo papel da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA)

O novo marco do saneamento atribui à Agência federal a competência para instituir diretrizes gerais para o setor, com vistas a harmonização e aprimoramento regulatório, necessários a viabilizar a ampliação de investimentos privados.
Regina-Costa-Rillo

Regina Rillo

Advogada egressa

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Uma das principais inovações do novo marco do saneamento diz respeito à ampliação do escopo de atuação da Agência Nacional de Águas – agora Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Nos termos da Lei nº 14.026/2020, a ANA passa a ter competência para instituir normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico.

Dois principais fundamentos podem ser apontados para justificar as novas atribuições da Agência federal.

O primeiro diz respeito à competência constitucional da União para instituir normas gerais (de aplicação nacional) sobre saneamento. Vale lembrar que a União detém competência privativa para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive saneamento básico (art. 21, inc. XX da Constituição Federal).

A competência da União para instituir diretrizes gerais de saneamento também decorre do art. 24, que atribui ao âmbito federal a competência para editar normas gerais de proteção do meio ambiente, controle de poluição e promoção da saúde. Quanto a isso, pontua-se a estreita relação entre saneamento, saúde, e meio ambiente, já reconhecida pelos Tribunais Superiores (a exemplo do REsp nº 1.366.331-RS) e doutrina moderna. Corroborando, a própria Constituição aponta para uma relação direta entre o saneamento e a saúde pública, a partir da previsão de que o Sistema Único de Saúde participe da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (art. 220, inc. IV).

O segundo fundamento diz respeito à necessidade de endereçar a heterogeneidade regulatória do setor.

Atualmente, a regulação do setor é feita por contrato, cada qual elaborada de acordo com as definições havidas junto aos respectivos titulares. A titularidade, como se sabe, é municipal ou regional (no caso de interesse comum), de sorte que há considerável diversidade normativa e contratual a regular o setor. A falta de padronização e regras básicas, inclusive quanto a critérios de revisão tarifária, indenização, fiscalização, metas e obrigações contratuais, acaba por onerar os custos de transação e desencorajar a entrada de novos players privados no setor, dado o maior grau de insegurança e falta de previsibilidade.

Em sendo uma das premissas do novo marco a necessidade de ampliar parcerias com a iniciativa privada para fins de atingir a ambiciosa meta de universalização fixada, medidas voltadas a aprimorar e padronizar a regulação do setor atendem a uma das principais críticas do mercado. Bem por isso, o novo marco atribui à ANA o dever de zelo pela uniformidade regulatória do setor de saneamento.

O escopo da nova atuação da ANA é amplo. Mais do que apenas diretrizes, a ANA passa a ter a competência para instituir normas sobre aspectos que vão desde regulação tarifária até sistemas de avaliação de metas de expansão e universalização, incluindo metodologia de cálculo de indenização, critérios para decretação de caducidade, padronização de instrumentos jurídicos de prestação dos serviços, padrões de qualidade e eficiência, entre outros aspectos.

Veja-se que a ANA poderá, até mesmo, tratar de governança das entidades reguladoras subnacionais, para fins de atendimento aos critérios de independência decisória e transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões, previstos no art. 21 da Lei Federal nº 11.445/2007.

Segundo o novo marco, a instituição das normas de referência pela ANA será progressiva, por meio de processo participativo, com o envolvimento de entidades de regulação e fiscalização, entidades de representações municipais, e realização de consultas e audiências públicas. O processo de instituição dessas normas deverá, também, possibilitar a análise de impacto regulatório das normas propostas.

A Avaliação do Impacto Regulatório (AIR) constitui um importante instrumento de análise ex ante quanto aos efeitos do ato normativo a ser emitido pela Agência. Trata-se de ferramenta que contribui à qualidade da regulação, recomendada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) por meio da Política Regulatória e Governança para a América Latina.

A adoção da AIR pelas Agências federais, anteriormente apenas recomendada pelas Diretrizes Gerais e Guia Orientativo para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório – AIR (2018), passou a ser obrigatória por meio das Leis Federais nº 13.848/2019 (Lei das Agências Reguladoras) e nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica). O novo marco vem, nesse contexto, reforçar o uso dessa ferramenta, com vistas ao aprimoramento da qualidade regulatória no setor de saneamento.

Respeitadas as competências constitucionais, o enforcement à aderência das normas expedidas pela ANA será garantido por meio de acesso a recursos federais.

A vinculação da concessão de recursos e financiamentos federais à aderência das normas da ANA é eficiente em contexto de crise orçamentária. Nada obstante, a busca pela melhoria e aprimoramento regulatório pelos titulares tende a ser um incentivo próprio à adesão às normas da ANA, com vistas a favorecer o ambiente de investimentos.

Evidentemente, a ANA terá que se estruturar para cumprir com essas novas atribuições; porém, desde já, a previsão legal de atuação da Agência federal é suficiente para criar externalidades positivas, a partir das expectativas de melhorias regulatórias no setor. O novo marco, nesse aspecto, é bastante positivo.

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