O rol é taxativo. E o que acontece, agora?

A tese das operadoras sobre a natureza do rol da ANS prevaleceu. Mas essa decisão traz enormes desafios para o setor.
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Silvio Guidi

Advogado egresso

Mariana-Borges-de-Souza

Mariana Borges de Souza

Head da área de healthcare e life sciences

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O julgamento do STJ a respeito do rol da ANS foi recebido com enorme antipatia pela sociedade. Essa reação talvez fosse inevitável, mas certamente foi turbinada pela maior recomposição de preços (erroneamente chamada de reajuste) da história da saúde suplementar. Esse cenário está provocando uma reação intensa e agressiva contra o setor. Não há na mídia voz aderindo à racionalidade do voto do STJ, que é de natureza singela, aliás: o rol taxativo traz segurança jurídica ao setor, que deixa de precificar o risco e torna o produto mais acessível, sendo que tal acessibilidade atrai mais vidas para a saúde suplementar e desonera o SUS.

A sociedade, além disso, tem a certeza de que a ANS está capturada pelas operadoras de planos de saúde. O resultado, segundo essa convicção, é que o rol ficará estagnado e que tratamentos já existentes e relevantes para os beneficiários não farão parte da cobertura, ainda que a Lei nº 14.307/2002 tenha diminuído radicalmente a periodicidade de sua atualização. No plano das certezas instaladas na sociedade também está uma sede lucrativa das operadoras, que as cegará para uma necessária empatia para com os pacientes. Nesse cenário, a sociedade vê o rol como um grande escudo capaz de blindar as operadoras de socorrer os beneficiários nos momentos mais importantes de suas lutas para a preservação da vida e da saúde.

Essa tensão chegará inevitavelmente ao Judiciário. Ainda que não haja um aumento no número de ações judiciais (que já é expressivo), os beneficiários que tiverem coberturas negadas irão devolver toda essa tensão social ao processo. O juiz da causa e os desembargadores revisores, membros da sociedade que o são, têm forte tendência em aderir à tese do beneficiário, ainda que sobre eles paire a orientação do STJ. Não há de se esquecer dos Procons, capazes de reagir também a negativas de cobertura, e com competência para aplicar multas que podem ultrapassar os dez milhões de reais.

Os próximos dias e meses serão assim, não resta dúvida.

E esse cenário exigirá posturas específicas, seja das operadoras de planos de saúde, seja da ANS. Terão de demonstrar os benefícios sociais estampados como fundamentos na decisão do STJ. Se assim não o fizerem, nova mudança virá, seja no âmbito judicial, ou no legislativo. Para cravar essa assertiva, basta lembrar de episódio no setor aeroviário, aquele relativo à cobrança por mala despachada. A sociedade tolerou por algum tempo o discurso de que a gratuidade do despacho encarecia o custo final para todos os consumidores (onerando especialmente os que não despachavam). Sem demonstração do barateamento do custo da passagem aérea (cuja composição do preço deriva de inúmeros fatores, sendo a bagagem despachada apenas um), a sociedade, por meio do legislativo, caminha para o retorno da gratuidade do despacho da bagagem.

Mas como as operadoras e a ANS poderão estampar os benefícios da decisão do STJ, mesmo sabendo que sua concretização só virá a médio e longo prazo? A chave está na empatia e na comunicação. A empatia servirá às microrrelações. As negativas de cobertura não poderão seguir com seu tradicional discurso protocolar: não está no rol, não há cobertura. Há de existir diálogo sério e profundo com o médico assistente e com o próprio beneficiário. Esse diálogo, aliás, não deve ter início somente quando da doença. Muito pelo contrário, lutar fortemente pelo status de saudável do beneficiário é algo que agrega tanto ao beneficiário quanto à operadora e ao conjunto de vidas seguradas.

À ANS cabe o papel de se comunicar a partir das macrorrelações. Na medida em que se intensificaram as alegações de sua captura pelas operadoras, redobrou sua missão de demonstrar que cumpre a missão dada pela lei que a criou, qual seja a de defesa do interesse público no setor suplementar. Isso significa que deve provar que sua regulação cria um terreno fértil para a ampliação do número de beneficiários na saúde suplementar (permitindo que o SUS tenha mais fôlego para atender os que não detêm condições de arcar com os custos de sua própria saúde) e também o aumento do número de operadoras (retomando a encolhida concorrência do setor recentemente diagnosticada pelo CADE).

A ANS pode agora gerar projeções sobre o aumento do número de beneficiários, já a partir da nova posição do STJ. E também reorientar sua regulação para confirmar a ocorrência desse aumento (vale lembrar que, hoje, há menos beneficiários de planos de saúde do que havia em 2014). Essa retomada, claro, depende muito da condição econômica das famílias e das empresas (estas responsáveis por 70% do número de beneficiários). Mas a ANS pode direcionar sua regulação para um consumo mais sustentável dos serviços de saúde, os quais, se focados na prevenção e proteção, serão mais efetivos e menos custosos. Disso derivará certamente a ampliação do acesso à saúde suplementar.

Mas, se tudo ficar como está, a volta do rol exemplificativo será questão de tempo.

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