O sobreaviso e o tempo à disposição frente às novas tecnologias da informação

Com o despontar das novas tecnologias e do teletrabalho, frequentes são as discussões sobre o uso de equipamentos telemáticos e o tempo à disposição.
Geovana-de-Carvalho

Geovana de Carvalho Filho

Advogada da área de direito do trabalho

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A sociedade contemporânea é, por excelência, a sociedade das soluções flexíveis, o que reflete, de modo notório, em toda a dinâmica das relações sociais, incluindo-se aquelas de natureza trabalhista. Com os crescentes avanços tecnológicos, os limites de tempo e espaço são rompidos e as relações interpessoais passam a ser corriqueiramente operadas de modo virtual.

Nesse contexto, a jornada de trabalho também passa a ser rediscutida, com destaque para as empresas de tecnologia, startups, entre outras, colocando-se em pauta os institutos do “sobreaviso” e do “tempo à disposição”, pelo uso de equipamentos como celulares e computadores pelos seus empregados mesmo após o fim da jornada convencional, contratualmente prevista.

Não raras vezes, a dificuldade está em se determinar quando a utilização dos aparelhos eletrônicos de comunicação que viabilizam o contato imediato com o empregador deve ser considerada para fins de cômputo da jornada, seja como hora efetiva de trabalho ou como período à disposição.

A respeito do sobreaviso, a Consolidação das Leis do Trabalho dispõe, em seu art. 244, § 2° que “considera-se de ‘sobreaviso’ o empregado efetivo que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de ‘sobreaviso’ será, no máximo, de vinte e quatro horas […]”. O sobreaviso se difere da prontidão, prevista no § 3º do mesmo artigo, haja vista que, nesta última, o empregado não fica em casa aguardando um chamado para o trabalho, mas permanece nas dependências físicas do empregador. As horas de sobreaviso são remuneradas em 1/3 (um terço) do valor da hora normal de trabalho, enquanto as horas de prontidão são pagas à razão de 2/3 (dois terços).

A ideia do instituto do sobreaviso é compensar o empregado que tem sua disponibilidade pessoal (mesmo que relativamente) restringida, ainda que não esteja efetivamente prestando serviços. Por essa razão, diferentemente das horas extras, não é remunerado como um adicional sobre a hora trabalhada, mas como uma fração dela. Destaca-se, nesse sentido, que a partir do momento em que o colaborador transita do “aguardar um chamado” para “cumprir o chamado” deixa-se de falar em sobreaviso e passa-se a tratar do efetivo cumprimento da jornada de trabalho que, se já ultrapassados os limites contratuais (comumente, de 44 horas semanais), deverá ser remunerado como hora extra.

Neste ponto, levanta-se o questionamento: uma empresa com vários empregados trabalhando de suas residências, com o uso do computador ou do celular, deve pagar sobreaviso para seus colaboradores que não estão em expediente de trabalho?

Embora existam correntes em defesa do entendimento contrário, o entendimento predominante na Justiça do Trabalho é aquele firmado na Orientação Jurisprudencial n.º 49 da Seção de Dissídios Individuais I do Tribunal Superior do Trabalho (TST), posteriormente convertida na Súmula n.° 428 do TST, segundo a qual “o uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso”.

No entanto, nada obstante o disposto no verbete sumular, importante atentar para a expressão “por si só” utilizada em sua redação. Ainda que o simples uso dos equipamentos, fornecidos ou não pela empresa, não configure sobreaviso, recomenda-se às lideranças que evitem o encaminhamento corriqueiro de solicitações após o expediente ou, ainda, a liberação de acessos aos sistemas da empresa após os horários registrados em ponto. Com tais cuidados, a empresa mitiga os riscos em eventual ação trabalhista na qual se alegue que o trabalhador estava à disposição, no aguardo de ordens, ou que foi restringido de praticar suas atividades de rotina pessoal.

Isto posto, para os colaboradores sujeitos ao controle de jornada, não sendo projetado pela empresa o pagamento do sobreaviso, toda cautela deve ser observada na utilização de comunicações que a extrapolem e que possam ser interpretadas como disponibilidade para o cumprimento de chamados, ainda que realizadas por meios remotos, como chats, grupos de conversas de aplicativos, ligações, etc.

E mais: a discussão ultrapassa os institutos relativos à jornada de trabalho, para compreender, também, o debate sobre o “direito à desconexão”, que ganhou força após a pandemia de Covid-19 e o crescimento do regime de teletrabalho, e será objeto de maiores considerações em artigos futuros.

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