O TCU e a fiscalização da OAB: quando o controlador perde o controle

Ao expandir sua atuação sobre a OAB, o Tribunal de Contas da União desborda de suas competências e invade a esfera de autorregulação profissional
Murilo-Cesar-Taborda-Ribas

Murilo Taborda Ribas

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

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Síntese

Em acórdão proferido em 7 de novembro de 2018, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que a Ordem dos Advogados do Brasil, por sua suposta natureza autárquica, deve prestar contas ao referido órgão de controle. No entanto, o TCU transgrediu suas competências e desconsiderou o consolidado posicionamento sobre a natureza da entidade.

Comentário

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), há muito, é investida de um papel fundamental na sociedade brasileira. A entidade detém protagonismo na defesa da justiça, dos valores democráticos e da integridade das instituições, papel reconhecido pela própria Constituição Federal – cuja proteção também compete à entidade.

Para que pudesse realizar um exercício independente dessas competências, foi retirada toda espécie de vinculação estatal incidente sobre a categoria profissional, com reconhecimento da liberdade para ordenação e regulação das atividades de seus integrantes. Em sede de controle de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal reforçou essa independência consignando que: “A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. […] Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária” (STF, ADI 3.026/DF, Relator Min. Eros Grau, Plenário, julgado em 08/06/2006).

Em acórdão proferido em 07 de novembro de 2018, o Plenário, do TCU, concluiu que a OAB deve ser incluída como unidade prestadora de contas ao órgão de controle. Para sustentar a conclusão, a Corte de Contas alegou que entidade se trata de típica autarquia, por supostamente consistir em serviço autônomo, criado por lei, que desempenha atividade fiscalizatória e gere recursos públicos federais.

Mais uma vez, essa posição é reflexo de uma atuação expansiva do TCU, que vem ampliando indevidamente suas competências. Já não é incomum ao TCU, por exemplo, invadir a esfera regulatória de agências reguladoras e emitir determinações para corrigir seus atos normativos –, bem como passa a mitigar a independência de agentes privados legitimados a disciplinarem suas próprias atividades econômicas.

Para além de ignorar argumentos historicamente consolidados –como a ausência de natureza autárquica da Ordem e de natureza tributária de suas anuidades –, a posição do TCU desprestigia a própria liberdade de profissão e o que nela se insere. O TCU não parece ser o protetor das liberdades, nem mesmo o seu controlador. O papel do TCU é garantir a boa aplicação de recursos públicos, o que não parece ser o caso da OAB.

A OAB é um órgão de autorregulação profissional, fenômeno em que as figuras do regulador e do regulado são coincidentes. Isto é, a regulação é exercida pelos próprios interessados de maneira não estatal.

Assim, compromissos de accountability e de prestação de contas – inegáveis, ressalta-se – não devem ser cumpridos perante o Estado, mas perante os profissionais liberais que integram a própria entidade.

A OAB não está – e nem deve ser – imune às críticas, mas sua independência exige que o papel de fiscalização seja legitimamente exercido por seus próprios integrantes, os advogados. Nem toda falta de transparência ou de responsabilidade se soluciona com a onipresença do controle externo estatal: as competências encontram limites na Constituição Federal.

É evidente que, como destacou o Ministro Relator, Bruno Dantas, em seu voto, o momento atual é de uma crescente exigência social por transparência das instituições. Também não se quer negar a necessidade de que a OAB aprimore sua atuação e seja responsável com seus recursos e com seus membros. Todavia, essas demandas não autorizam que a divisão institucional de competências e a independência da OAB sejam desconsideradas pelo TCU.

Não há sentido no dispêndio de recursos públicos para exercer controle externo sobre uma entidade profissional que gere recursos privados, especialmente diante do grave cenário fiscal brasileiro. O agigantamento dos órgãos de controle tem, como potencial consequência, a ineficiência e a insegurança jurídica. Assim sendo, ao contrário do que poderia se supor, o descontrole do controlador, no longo prazo, pode levar à perda de credibilidade das instituições.

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