Os contratos das Empresas Estatais e as fugas irregulares para o direito público

Regulamentos de licitações e contratos são editados em desacordo com os artigos 40 e 68 Lei das Estatais

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Publicada em julho de 2016, a Lei das Estatais (Lei nº 13.303) só passou a gerar todos os seus efeitos em julho de 2018, quando se encerrou o prazo de 24 meses para adaptação de diversas empresas à nova disciplina legislativa (art. 91).

O prazo foi utilizado quase que na íntegra por bom número delas, que optaram por dar publicidade aos seus regulamentos de licitações e contratos tão tarde quanto possível.

Contudo, a política protelatória não impediu a edição de regulamentos que destoam do regime jurídico fundado pela Lei das Estatais. Explica-se.

Cumpre destacar que o art. 40, da Lei nº 13.303, prevê que o regulamento de licitações e contratos de uma empresa estatal deve ser mantido atualizado e estar sempre “compatível com o disposto nesta Lei”.

A inteligência do dispositivo denota que os regulamentos de licitações e contratos das estatais precisam estar alinhados ao regime jurídico fundado pela Lei nº 13.303, não sendo lícita a estipulação de disposições que se desviem das diretrizes ali fixadas.

Não poderia ser diferente, já que o ordenamento jurídico brasileiro não admite a edição de regulamentos autônomos, que inovem na ordem jurídica, como reconhecem há muito a doutrina e a jurisprudência.

Todo regulamento deve ser editado em observância às diretrizes fixadas na lei que lhe deu origem.

Uma das principais diretrizes do regime de contratação fundado pela Lei das Estatais está contida em seu art. 68, segundo o qual “os contratos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas, pelo disposto nesta Lei e pelos preceitos de direito privado” (g.n).

A submissão dos contratos regidos pela Lei nº 13.303 ao regime jurídico de direito privado é característica marcante do regime de contratação por ela imposta às estatais.

Trata-se de verdadeira quebra de paradigma, na medida em que coloca de lado a malfadada aplicação subsidiária do regime de contratação imposto pela Lei nº 8.666/93, e celebra a necessidade de as estatais manusearem contratos menos rígidos, estruturados a partir de uma distribuição mais equânime de direitos e deveres, para atuarem de maneira eficaz no mercado.

Por apreço a essa diretriz, as empresas estatais estão impedidas de editar regulamentos contendo regras contratuais inspiradas no regime jurídico de direito público, a exemplo daquelas que instituem as chamadas “cláusulas exorbitantes” dos contratos administrativos (art. 58, da Lei nº 8.666/93).

A razão é simples: prerrogativas como o poder para alterar unilateralmente contratos são incompatíveis com regime contratual imposto pelo direito privado, onde, na ausência de disposição legal expressa, presume-se que os ônus e bônus contratuais devem ser distribuídos equitativamente entre as partes.

E por serem incompatíveis, prerrogativas como essas não podem constar dos regulamentos de licitações e contratos das estatais, conforme inteligência do art. 40, c/c o art. 68, ambos da Lei nº 13.303/2016.

A clareza dessa vedação, contudo, contrasta com a realidade.

Não são raros os casos em que as estatais, a pretexto de exercerem o poder regulamentar conferido pelo art. 40 da Lei º 13.303, ignoram o regime jurídico de direito privado e criam disposições que promovem verdadeira fuga para o regime jurídico de direito público.

O regulamento interno de licitações, contratos e convênios da Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR), por exemplo, prevê em seu art. 210, VIII, que os contratos por ela firmados podem ser rescindidos por “razões de interesse da SANEPAR, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e exaradas no processo administrativo”.

Trata-se de hipótese muito similar à de rescisão de contrato administrativo por “razões de interesse público”, inscrita no art. 78, XII, da Lei nº 8.666/93, e que, tal como esta, pode ser levada a cabo de maneira unilateral pela SANEPAR, nos termos do art. 211, I, do regulamento da estatal.

Já o regulamento de licitações e contratos da Companhia Paranaense de Energia (COPEL) estabelece em seu item 10.2.1 que apenas os “contratos destinados à execução de obras e serviços de engenharia celebrados nos regime de empreitada por preço unitário, empreitada por preço global, contratação por tarefa, empreitada integral e contratação semi-integrada devem prever cláusula que estabeleça a possiblidade de alteração, por acordo entre as partes […]”.

Ele é omisso tanto no que se refere a contratos com objetos que não sejam obras e serviços de engenharia, quanto no que tange a ajustes firmados sob o regime de contratação integrada (item 7.1.36 do regulamento), abrindo margem para interpretações no sentido de que, nesses casos, seria cabível a alteração unilateral por interesse da COPEL, em clara afronta à literalidade do art. 81, da Lei das Estatais.

Em ambos os casos, o administrador público claramente se inspirou no regime jurídico público, o que, conforme visto, é vedado pela Lei das Estatais.

Por fim, é importante destacar que disposições como essas devem ser reputadas como ilegais, e podem ser questionadas judicialmente.

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