Os limites ao exercício do poder cautelar pelo Tribunal de Contas da União

A ausência de competência do Tribunal de Contas da União para determinar a constrição de bens de particular em sede de medida cautelar.

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Síntese

Em 08/02/2018, o Min. Marco Aurélio concedeu liminar autorizando a livre movimentação de bens de particular sobre os quais o TCU havia decretado, cautelarmente, a indisponibilidade. Como fundamento para a decisão, o Ministro afirmou que a incidência do art. 44 da Lei Orgânica do TCU está restrita aos servidores públicos responsáveis pelos contratos. Na mesma decisão também foi suspensa determinação de desconsideração da personalidade jurídica.

Comentário

O Tribunal de Contas da União (TCU), como órgão de controle externo, tem papel fundamental na fiscalização e acompanhamento dos contratos públicos, com destaque para aqueles do setor de infraestrutura, dado o vulto econômico que ordinariamente apresentam. A fiscalização, acompanhamento e avaliação pelo órgão ocorrem, por exemplo, em relação aos processos de outorga, desde a fase prévia, de concepção do modelo, passando pelos atos do certame licitatório e prolongando-se por toda a execução contratual.

Veja-se que ao TCU não compete a atuação como gestor do contrato, mas como um fiscalizador externo que aprecia a celebração e execução dos contratos, sob os prismas da legalidade, legitimidade e economicidade.

Para exercer a competência que a Constituição Federal lhe atribuiu (arts. 70 e 71), o TCU se vale de mecanismos e procedimentos estabelecidos em sua Lei Orgânica (Lei nº 8.443/92) e no Regimento Interno, os quais devem estar alinhados com a prescrição constitucional, que serve como limite.

Uma das competências do TCU que tem ensejado divergências sobre sua submissão aos preceitos constitucionais é a que o autoriza a impor, cautelarmente, a constrição de bens. Essa medida é prevista no art. 44, §2º, de sua Lei Orgânica e no art. 274 do Regimento Interno.

A discussão que existe é em relação à abrangência de tal competência: pode o TCU determinar a constrição de bens de particulares ou apenas de servidores públicos responsáveis por contratos?

Aqueles que defendem a possibilidade de imposição de tais medidas cautelares em desfavor de particulares buscam fundamento no poder geral de cautela do TCU, atribuído pela Constituição Federal (art. 71). Sustentam que a importância de tal poder é garantir a efetividade das demais competências do órgão de controle e, portanto, não há espaço para a interpretação restritiva em relação à imposição de medida cautelar constritiva de bens.

Ainda, afirmam que a previsão legal constante no art. 44, §2º, da Lei Orgânica, reproduzida no art. 274 do Regimento Interno do órgão, seria suficiente para autorizar a imposição da medida. Em reforço da tese, argumentam que os dispositivos não têm aplicação restrita aos servidores públicos, aplicando-se também aos particulares que causem dano ao erário, sendo a sujeição ao poder fiscalizatório um resultado da origem pública dos recursos e não da natureza jurídica (pública ou privada) dos envolvidos.

De outro lado, aqueles que defendem a existência de um limite ao exercício de tal poder pelo TCU fazem uma interpretação sistemática dos dispositivos. Consideram que o art. 44 da Lei Orgânica se destina à disciplina do servidor público, visto estar inserido na Seção IV, que rege a fiscalização de atos e contratos realizados pelos responsáveis sujeitos à jurisdição do órgão. Nesse sentido, não negam a existência de um poder geral de cautela, mas a existência de uma limitação ao exercício de tal poder.

A questão já foi objeto de análise pelo STF.

Nos anos de 2003 e 2015, houve a manutenção das medidas impostas pelo TCU, com fundamento no art. 71 da Constituição Federal (vide MS 24.510 – Plenário e MS 33.092 – Segunda Turma). Entretanto, merece destaque o posicionamento que vem sendo firmado pelo Ministro Marco Aurélio, em julgamentos mais recentes.

Desde o ano de 2016 (MS 34.357, 34.392, 34.410 e 34.421), o Ministro Marco Aurélio tem se posicionado no sentido de que a imposição de medida cautelar constritiva a bens de particulares, pelo TCU, excede a competência do órgão de controle externo. Como fundamento, adotou o entendimento de que as normas que regulam a questão são direcionadas ao servidor público, não sendo possível sua extensão ao particular.

Esse posicionamento foi recentemente reiterado pelo Ministro, em 08 de fevereiro deste ano, por ocasião do julgamento de pedido liminar no âmbito do MS 35.506, impetrado por empresa em desfavor da qual o TCU havia imposto medida cautelar constritiva de bens, bem como determinado a desconsideração da personalidade jurídica.

Ainda mais recentemente houve novas abordagens pelo STF, agora pelos Ministros Roberto Barroso e Edson Fachin, respectivamente, no âmbito do MS 34.738 e MS 34.793.

Nesse primeiro processo houve deferimento de liminar determinando a suspensão da imposição de medida cautelar constritiva de bens imposta pelo TCU, por decisão do Min. Roberto Barroso, sob o entendimento de que a constrição imposta era desproporcional e fugia à razoabilidade, em razão de altos valores a serem bloqueados.

Já, no âmbito do MS 34.793 o Min. Edson Fachin deferiu parcialmente o pedido liminar, afirmando que no caso de empresa submetida à falência, para que a medida constritiva imposta pelo TCU tenha eficácia, há a necessidade de comunicação prévia ao juízo falimentar, que seria o competente para analisar a imposição de tais medidas.

Em 05/04/2018, o Min. Gilmar Mendes indeferiu pedido liminar formulado no âmbito do MS 35.623, que pretendia a suspensão de medida constritiva de bens imposta pelo TCU. Como fundamento para o indeferimento do pedido liminar, Gilmar Mendes interpretou sistematicamente a Lei Orgânica do TCU, entendendo que, por força do disposto no art. 47, sendo verificada irregularidade que cause dano ao erário haveria a aplicação das regras que tratam do julgamento de contas, em especial do disposto no art. 16, §2º, sendo possível, portanto, a determinação de medida cautelar constritiva de bens pelo TCU.

Veja-se que não há um entendimento pacificado pelo STF a este respeito, o que depende do julgamento em Plenário dos MS 34.392, 34.410 e 34.421.

Até o momento, a posição que tem sido adotada pelo Ministro Marco Aurélio, que interpreta sistematicamente o art. 44 da Lei Orgânica do TCU, bem como o seu Regimento Interno, nos parece mais adequada. Isso porque o dispositivo legal é claro ao delimitar expressamente sua incidência ao “responsável”, ou seja, ao servidor público que faz a gestão do contrato submetido à fiscalização do órgão de controle externo. Trata-se de posição ponderada, pois não nega a existência de um poder geral de cautela pelo TCU, apenas reconhece a existência de limites impostos a exercício de tal poder pelo órgão de controle externo.

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