Para conferir maior competitividade ao setor produtivo brasileiro no mercado internacional, o desenvolvimento de uma infraestrutura de transportes e logística sólida no Brasil passa, hoje, pela ampliação da malha ferroviária nacional. No entanto, para alcançar esse objetivo, é fundamental a criação de um ambiente institucional favorável à realização de investimentos no setor, com segurança jurídica e estabilidade regulatória.
Nesse sentido, recentemente, o setor ferroviário deu o primeiro passo em direção à reforma de sua regulação, com a edição da Medida Provisória nº 1.065/2020 pelo Governo Federal. Com o objetivo de facilitar a realização de investimentos na malha ferroviária, a medida foi responsável por criar um marco legal específico para o setor, tal como ocorre em relação a diversos outros setores básicos da infraestrutura nacional – como saneamento básico, energia elétrica, portos, entre outros.
A normativa prevê uma série de aspectos jurídicos relevantes para o aprimoramento regulatório do setor ferroviário. Dentre outras medidas, por exemplo, a Medida Provisória disciplinou a devolução e a desativação de ramais por concessionárias, estipulou regras de compartilhamento da infraestrutura ferroviária e criou um mecanismo de autorregulação técnico-operacional, possibilitando que as administradoras e os operadores ferroviários se associem para instituição de normas técnicas e regulação do trânsito de pessoas e de mercadorias em suas linhas férreas.
Porém, a principal inovação da Medida Provisória em pauta está na criação de um regime de autorizações ferroviárias. Em síntese, de acordo com a normativa, as autorizações são um instrumento de outorga de ferrovias em um regime jurídico de direito privado, sem a necessidade verificada nos contratos de concessão de realizar prévio procedimento licitatório. Conforme prevê o art. 6º da MP nº 1.065/2020, essa autorização poderá ser solicitada diretamente por empresa interessada ou concedida por processo de chamamento público instaurado pelo Ministério da Infraestrutura, e, uma vez concedida, a infraestrutura ferroviária será integralmente estruturada e operada pela empresa autorizada.
Nos termos desta Medida Provisória, a autorização será formalizada em um contrato de adesão, com duração máxima de noventa e nove anos, prorrogáveis por períodos iguais e sucessivos (art. 6º, § 1º). Por meio desse vínculo, a empresa autorizada assumirá o risco integral pelo êxito do empreendimento, de tal modo que os investimentos realizados e os bens empregados na ferrovia autorizada são de titularidade e de responsabilidade da empresa interessada.
Em seu art. 12, a MP nº 1.065/2020 também estabelece o conteúdo mínimo essencial que deve estar estipulado no contrato de adesão. Dentre outros aspectos, as cláusulas devem contemplar o objeto autorizado, o seu prazo de vigência, o cronograma de implantação dos investimentos previstos e as condições para promoção das desapropriações – visto que a empresa poderá ter poderes para promover os atos expropriatórios necessários à instalação dos trechos ferroviários.
Como se vê, portanto, a normativa editada pelo Governo Federal traz importantes avanços institucionais para o desenvolvimento da infraestrutura ferroviária e cria grandes oportunidades de investimentos no setor. Demonstração dessa potencialidade está na forma pela qual a novidade do regime de autorização foi recebida pelo mercado: em menos de um mês, o Ministério da Infraestrutura recebeu mais de dez pedidos de autorização para a construção de trechos ferroviários, cujos investimentos estão previstos em valor superior a R$ 80 bilhões.
Após a edição da Medida Provisória nº 1.065/2021, o Ministério da Infraestrutura buscou regulamentar os processos administrativos de requerimento de autorização para exploração ferroviária na Portaria nº 131/2021. A normativa foi responsável por construir o itinerário a ser observado pelos interessados na obtenção da autorização: estipula o conteúdo mínimo dos estudos técnicos que instruem o requerimento, bem como disciplina o procedimento, a avaliação e as regras para resolução dos impasses verificadas na incompatibilidade locacional por mais de uma autorização. Vale ressaltar, aliás, que o tema tem sido objeto de ampla controvérsia perante o Tribunal de Contas da União e o Congresso Nacional, com divergências entres os interessados na obtenção das referidas autorizações sobre o critério de seleção do projeto na hipótese de incompatibilidade locacional.
Como se vê, o setor ferroviário tem dado os primeiros passos rumo ao seu amadurecimento institucional, com a consolidação de marcos normativos que buscam facilitar a ampliação da malha existente. As iniciativas são fundamentais para criar um ambiente competitivo no segmento, com a ampliação de investimentos e a modernização da infraestrutura existente. Vale aguardar se os próximos passos seguirão esses objetivos.