Papel do contencioso estratégico na época da responsabilidade ambiental

Como o contencioso estratégico pode assegurar que as empresas extraiam as consequências jurídicas mais favoráveis das medidas ambientais do ESG?
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Carolina Garcia Stolf

Advogada egressa

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A agenda ESG – sigla que significa Governança Ambiental, Social e Corporativa – delimita a necessidade de aplicação de um conjunto de melhores práticas ambientais, sociais e de governança nos negócios. Mas qual o efeito jurídico disso?

Com a formação de uma cultura ESG cada vez maior dentro das organizações, é possível vislumbrar que, na realidade, muito se está utilizando dos princípios basilares do compliance.  E, assim como o compliance, a adoção de critérios ESG na atividade empresarial auxilia na diminuição de violações regulatórias, promove importantes benefícios e proteção aos investidores e pode aumentar a eficiência de fundos e operações. Basicamente, limita o risco, mas não apenas isso; é algo que faz sentido, promove o “bom negócio” e torna a atividade mais eficiente. Isso gera valor perante os stakeholders e shareholders.

Assim, a implementação de medidas ESG passa a ser requisito essencial a ser observado no due diligence e no contingenciamento legal para prospecção de parceiros e fornecedores. 

Especificamente com relação ao aspecto ambiental, passa-se a prestar mais atenção à educação ambiental no âmbito interno e externo das organizações, adotando-se medidas para evitar contaminações e descarte irregular de resíduos, para diminuir emissões e ruídos decorrentes da atividade, dentre outras. A própria atenção às mudanças climáticas e ao mercado de carbono é parte disso. Não é um movimento apenas local, mas mundial ____ tanto que o acesso ao meio ambiente saudável foi recentemente declarado como direito humano (Resolução 48/13 da ONU, publicada pelo Human Rights Council em 08.10.2021) ____ e esse direito acaba estando intrinsicamente ligado ao ESG.

Diante deste panorama, como não poderia ser diferente, na prática jurídica contenciosa já se tem sentido efeitos das mais variadas espécies decorrentes do aspecto ambiental do ESG.

De fato, em determinadas licitações promovidas pela administração pública já existe a exigibilidade de certificação e selos ambientais, como, por exemplo, a certificação Ecovadis ou o LEED.  A própria Federação Internacional de Futebol – FIFA exigiu, na época da Copa do Mundo, que os estádios possuíssem a certificação ambiental adequada, já que, sem o cumprimento deste requisito, os estádios não eram sequer considerados para sediar o evento.

Não é a primeira vez (e não será a última) que a adoção de práticas ambientalmente conscientes gera efeitos desta natureza. Cada vez mais passam a existir regulamentações específicas que exigem condutas sustentáveis, notadamente no âmbito do licenciamento ambiental. Hoje, por exemplo, tramita perante a Câmara dos Deputados o projeto de Lei 1707/21, que torna obrigatória a instalação de sistemas de captação de energia solar em todos os empreendimentos, públicos ou privados, a serem construídos no País, o que potencialmente afetará diretamente a atividade das incorporadoras brasileiras.

Em outra perspectiva, o cumprimento de critérios ambientais do ESG tem tido influência direta na definição dos potenciais alvos de fusão ou investimento, uma vez que a promoção de medidas sustentáveis pode diminuir o risco da atividade, além de colocar a empresa sob foco favorável. O mercado de Mergers and Acquisitions (M&A) está sendo diretamente impactado por conta disso. 

O mesmo ocorre com o mercado de capitais, uma vez que a atenção a este ponto pode tornar a atividade mais lucrativa em razão da mera percepção externa quanto ao respeito ao meio ambiente. Neste particular, encontram especial lugar os títulos verdes, também chamados de green bonds, que são similares aos títulos de dívida comuns, mas, como o próprio nome sugere, devem ter por objeto o financiamento de investimentos sustentáveis. Isso significa que só podem ser utilizados para financiar investimentos considerados (isso mesmo) sustentáveis, ou seja, baseados em projetos que trazem benefícios ambientais e climáticos positivos. Em que pese que esses títulos verdes existam desde 2015 no Brasil, foi com o “boom” ESG que eles têm tomado cada vez mais força no mercado, notadamente para o agronegócio.

Em decorrência dessa situação passaram a surgir discussões judiciais, tanto na esfera Federal quanto Estadual, sobre a responsabilidade contratual e técnica da assessoria na obtenção destes green bonds, bem como com relação ao que constitui um verdadeiro investimento sustentável a ponto de comprovar o adimplemento contratual respectivo.

Sob outro viés, com o volume relevante de políticas de inovação de negócios sustentáveis passam a surgir discussões jurídicas sobre a propriedade intelectual e industrial relativa a essas invenções, bem como tentativas de tutelar a livre concorrência e rechaçar condutas abusivas. 

Outro aspecto que tem merecido atenção é que, ao tentar adotar postura mais sustentável sem que isso seja parte da cultura organizacional ou do processo de fabricação do produto ou fornecimento do serviço, muitas entidades acabam abusando da utilização de selos “sustentáveis” para atrair o consumidor sem que isso seja realmente feito na prática. É o chamado greenwashing (ou lavagem verde), que tem sido objeto de reiteradas denúncias e responsabilização pelos órgãos oficiais do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. 

Por isso é essencial que os fornecedores que optem por seguir a linha ESG tenham atenção às obrigações impostas pela legislação consumerista. O fornecedor deve cumprir o dever de informação aos consumidores, além de demonstrar especificamente de que modo o produto ou serviço protege a saúde e o bem-estar destes e garantir que a publicação não seja enganosa. As medidas ambientalmente favoráveis devem ser tomadas com cautela e responsabilidade.

Por fim, a litigância estratégica ambiental – muito incentivada após o Acordo de Paris – também tem sido cada vez mais objeto de discussão. Exemplo disso é o ajuizamento da ADPF 708, que versa sobre o funcionamento do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, apresentada no Supremo Tribunal Federal em junho de 2020. A intenção da ADPF, que tem sido considerada como o primeiro ato relevante de litigância climática no Brasil, é compelir o Governo Federal a garantir a destinação adequada dos valores existentes no Fundo do Clima, que é destinado ao financiamento de projetos que visem a redução de emissões de gases de efeito estufa e adaptação nacional à mudança climática.

O panorama acima delimitado demonstra que o aspecto ambiental do ESG ultrapassou fronteiras e, cada vez mais, tem gerado efeitos jurídicos que devem ser objeto de cautelosa análise e atuação. É necessário decidir quando e de que modo litigar, e como a conduta sustentável pode vir a ser utilizada em favor do cliente. O papel do contencioso estratégico é conhecer as tendências regulatórias e de mercado para garantir que os atos sustentáveis adotados pelos clientes surtam não apenas efeitos econômicos positivos, mas também efeitos jurídicos favoráveis. Seja perante os órgãos de proteção do consumidor para demonstrar o cumprimento das normas consumeristas pelos fornecedores, seja para resguardar a inovação ambiental nesta época que conta com tantas novas ideias sustentáveis, seja para demonstrar a boa-fé na atividade ou, até mesmo, para comprovar judicialmente porque determinado ato sustentável deve tomar precedência nas licitações, a atuação jurídica estratégica se torna cada vez mais essencial.

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