Preciso aguardar o inadimplemento para rescindir o meu contrato?

A rescisão do contrato com base no risco do inadimplemento.
Ana-Luisa-Lopes-Gomes

Ana Luisa Lopes Gomes

Advogada da área de estruturação de negócios

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Após a celebração de um contrato, uma parte, diante graves problemas financeiros, pode se ver credora de uma pessoa física ou jurídica, apresentando fortes indícios de que não conseguirá cumprir com as obrigações assumidas no contrato. Esta situação pode ocorrer, principalmente em contratos de execução diferida, ou seja, aqueles em que o cumprimento da obrigação assumida não ocorre no mesmo momento que a celebração do contrato, mas sim em momento posterior, podendo, inclusive, ser dividido em várias prestações.

Diante da crise atual em diversos setores da economia, muitas empresas estão com dificuldades para adimplir os seus contratos e, em alguns casos, essa crise tem se agravado paulatinamente até resultar em pedidos de recuperação judicial e, em casos mais extremos, de falência. Levando em consideração esse cenário, é de grande importância ter conhecimento a respeito de quais as saídas possíveis quando uma das partes em um contrato se encontra em crise financeira e sem perspectiva de melhora.

Quando esta situação se materializa, surge a dúvida: devo continuar cumprindo as obrigações assumidas por mim no contrato e aguardar o inadimplemento pela outra parte para, então, judicializar a questão, ou posso, desde logo, rescindir o contrato, parando de efetuar os pagamentos ou cumprir as obrigações pelas quais me obriguei? 

Dar continuidade aos pagamentos pode ser uma escolha arriscada na medida em que a situação da outra parte pode piorar com o decorrer do tempo, pois além de não perceber a prestação que contratou, a parte solvente muito provavelmente não conseguirá reaver os valores pagos. Por isso, a parte credora pode adotar medidas a fim de proteger o seu crédito.

Neste sentido, o art. 477 do Código Civil prevê que, se após a celebração de um contrato, ocorrer uma diminuição no patrimônio de uma das partes contratantes capaz de comprometer ou colocar dúvidas sob a sua capacidade de adimplemento das obrigações assumidas, a outra parte pode deixar de cumprir as obrigações que lhe cabem, até que a outra cumpra as obrigações assumidas ou ofereça garantias suficientes de que irá fazê-lo.

Assim, com base nesse dispositivo e na sua interpretação pelos tribunais, é possível rescindir um contrato com base no risco do inadimplemento quando observada uma crise patrimonial superveniente à celebração do contrato, ou seja, se no momento da celebração do contrato a parte já estava em dificuldades financeiras, este argumento não pode ser utilizado para pleitear a rescisão contratual.

Além disso, a crise patrimonial deve ser grave o suficiente para suscitar dúvidas quanto à capacidade da parte para adimplir a obrigação. Não basta, portanto, a mera desconfiança de que a outra parte está com dificuldades financeiras. A fim de comprovar o risco de inadimplemento, a parte que pretende pleitear a rescisão pode utilizar-se de notícias de jornais, pode comprovar o inadimplemento pela outra parte de outros contratos de que tenha conhecimento ou, ainda, a propositura, por terceiros, de ações ou execuções em valor elevado, cujo objeto seja o descumprimento de obrigações assumidas em outros contratos, bem como apresentar extrato positivo de inscrição em cadastros de inadimplentes, certidões positivas de protestos em nome do devedor, etc.

Em muitos casos, o simples fato de a parte devedora ter pleiteado recuperação judicial é entendido judicialmente como suficiente para legitimar a exigência de cumprimento antecipado das obrigações, a exigência de garantias quanto ao seu cumprimento ou, caso nenhum dos pedidos sejam atendidos, a rescisão judicial do contrato.

Entretanto, antes do ajuizamento da ação de rescisão contratual, com a apresentação das provas mencionadas, é de grande importância primeiro notificar o devedor, informando-o a respeito de sua ciência acerca da crise patrimonial/financeira em que ele se encontra e solicitar o cumprimento antecipado das obrigações ou a apresentação de garantias, conforme prevê o art. 477 do Código Civil. Apenas diante da negativa do devedor é que a ação de rescisão deverá ser ajuizada.

Julgada procedente a ação, ou rescindido extrajudicialmente o contrato, por acordo entre as partes, estas deverão ser reconduzidas à situação em que se encontravam antes da celebração do contrato. Assim, caso o devedor não tenha cumprido nem mesmo parte da obrigação, mas houver recebido valores, deverá devolvê-los integralmente. Por outro lado, caso tenha cumprido parcialmente o contrato, deverá ser remunerado pela parte adimplida, devolvendo o excedente.

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