A procuração “em causa própria” consiste em uma autorização para que o outorgado (quem recebe os poderes) transfira para si mesmo os bens de propriedade do outorgante (quem concede os poderes), descritos no documento. Em outras palavras, o outorgado pode, sem a participação do outorgante, realizar a transferência desses bens para o seu nome.
Diferentemente das procurações comuns, o mandato em causa própria é irrevogável e não se extingue com a morte das partes. Isso significa que, mesmo após o falecimento do outorgante, quem a recebeu continua autorizado a praticar os atos previstos na procuração. Para que a procuração e os poderes nela previstos sejam revogados, é necessária a anuência expressa do outorgado.
Este instrumento é muito utilizado pelo mercado imobiliário, em operações de compra e venda de imóveis. Por meio dela, o vendedor dá ao comprador o poder de representá-lo na lavratura da escritura definitiva de compra e venda. Este arranjo garante ao comprador que, após o pagamento integral do preço, conseguirá transferir a propriedade do imóvel para o seu nome, mediante o registro da transferência na matrícula do imóvel, sem a necessidade de participação ou cooperação do vendedor.
A procuração em causa própria também é utilizada em operações de compra e venda de participações societárias. No fechamento do negócio, o vendedor outorga ao comprador da participação uma procuração em causa própria para que este registre todos os documentos societários perante a junta comercial competente, formalizando a transferência da participação, sem a necessidade da assinatura do vendedor. Neste caso, a procuração em causa própria também serve de garantia ao comprador, evitando que o vendedor, mesmo após receber o preço ajustado na compra e venda, recuse-se a assinar os atos societários pertinentes à transferência das quotas e sua retirada do capital social, permanecendo como sócio em detrimento do direito do comprador.
Apesar de útil em muitos contextos, a procuração em causa própria não é uma ferramenta segura e adequada para fins de planejamento sucessório. Ao contrário do que muitos afirmam, ela não viabiliza a transferência de bens entre ascendentes e descendentes, ou vice-versa, sem a realização de inventário e o pagamento dos tributos correspondentes.
Ainda que a procuração em causa própria continue válida após o falecimento do outorgante, a transferência de seus bens ao herdeiro outorgado exige a qualificação jurídica do negócio. É preciso esclarecer se a transferência ocorre por doação, compra e venda, ou outro título. Isso ocorre porque a procuração em si não transfere a propriedade – ela apenas autoriza a prática de atos que, em conjunto com um negócio jurídico válido, resultarão na transferência do bem.
Sendo assim, se a transferência do bem ao outorgado for realizada a título de doação, haverá a incidência de ITCMD, assim como deverão ser levadas em consideração todas as regras pertinentes ao direito à legítima, garantido aos herdeiros necessários do outorgante.
Por outro lado, se a transferência for realizada a título de compra e venda, haverá a incidência de ITBI, e o outorgado poderá ser obrigado pelos demais herdeiros do outorgante a comprovar o efetivo pagamento do preço da compra e venda, sob pena de o valor ser incluído no processo de inventário como crédito do espólio a ser apurado.
O uso da procuração em causa própria com a finalidade de fraudar a lei pode resultar em nulidade, conforme o art. 166, inciso VI, do Código Civil. Isso ocorre, por exemplo, quando uma escritura de compra e venda é lavrada para simular uma doação, com o objetivo de pagar menos tributo.
Outro ponto importante é que a procuração em causa própria produz efeitos imediatos. Assim, se for usada com fins sucessórios, o beneficiário poderá transferir os bens a qualquer momento, sem precisar aguardar o falecimento do outorgante. Isso gera riscos e perda de controle patrimonial ainda em vida.
Além disso, se o outorgante desejar alienar para terceiros um dos bens descritos na procuração – na qual devem constar de forma expressa os bens passíveis de transferência pelo outorgado –, será necessária a anuência do outorgado para que ocorra a revogação da procuração.
A procuração em causa própria é um instrumento jurídico valioso, que oferece praticidade e segurança em diversas operações, especialmente nas áreas imobiliária e societária. No entanto, seu uso exige cautela, pois não se aplica a todas as situações, especialmente no planejamento sucessório, onde pode gerar conflitos, insegurança jurídica e tributos indevidos. Por isso, é essencial contar com a orientação de um advogado especializado, que poderá avaliar a viabilidade do uso do instrumento em cada caso, garantindo sua aplicação correta, segura e alinhada com a lei.