Propostas agressivas e (in)exequibilidade: o barato pode ficar caro

A presunção relativa de inexequibilidade gera benefícios à administração ou é fonte de dor de cabeça para administradores?
Raul_Dias_dos_Santos_Neto

Raul Dias dos Santos Neto

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

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O tema da (in)exequibilidade de propostas comerciais é caro ao mercado público de obras e engenharia. Ele se situa no contexto de disputas acirradas, diligências administrativas e judicializações que atrasam a concretização dos objetivos que animam processos licitatórios.

A Lei Federal n.º 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos – NLLC) define o afastamento de “preços manifestamente inexequíveis” como um dos objetivos da licitação (art. 11, III). Para obras e serviços de engenharia, o parâmetro de inexequibilidade foi fixado em 75% do “valor orçado pela administração” (art. 59, §4º).

A noção de que o menor preço possível é sempre o melhor ou o mais vantajoso à administração inviabiliza, na prática, desclassificação sumária de propostas inexequíveis conforme a NLLC. Sempre há o benefício da dúvida: se aquém do parâmetro, instaura-se diligência.

E a diligência é reforçada pelo principal órgão de controle nacional: a Súmula 262 do Tribunal de Contas da União – TCU define que propostas aquém do percentual acima importam presunção relativa (e não absoluta) de inexequibilidade, entendimento estendido à NLLC (Acórdão 465/2024 – Plenário).

O problema é que a diligência tende a não ser simples em vista da complexidade envolvida na formação de preços no mercado privado e da legitimidade das provas que denotariam a viabilidade de propostas agressivas.

O administrador cai em uma encruzilhada: ou valida a proposta e corre o risco de a execução contratual fracassar ou rejeita a proposta e banca seu CPF contra eventuais acusações de que não prezou pelo menor preço. E o risco de judicialização da própria licitação subsiste em ambos os cenários: no primeiro, questiona-se a validação; no segundo, questiona-se a rejeição.

Essas consequências foram refletidas, em alguma medida, em voto divergente (e vencido) do TJSP (Apelação n.º 1004528-23.2022.8.26.0347). O voto fixou entendimento de que o patamar de 75% deveria ser considerado objetivo/absoluto para rejeitar, sumariamente, propostas inexequíveis, sob risco de “precoces” pleitos de reequilíbrio ou fracasso de execução contratual, excessivo prolongamento de licitações, dificuldade nas diligências já que não incumbiria “à administração fazer a auditoria dos preços”, e o sempre subjacente risco de judicialização da decisão a ser tomada, independentemente de seu conteúdo.

A imposição do modo de disputa aberto em licitações, cujo critério é o menor preço ou maior desconto (art. 56, § 1º, NLLC), tende a tornar recorrente essa situação. Na medida em que proponentes são provocados a ofertar lances para melhorar suas propostas, as chances de valores abaixo do patamar de exequibilidade aumentam.

Outro tema que gera certa perplexidade é o da garantia adicional (art. 59, § 5º, NLLC): proposta cujo valor seja inferior a 85% do valor orçado pela administração implicará necessidade de apresentação de garantia adicional.

A título ilustrativo, assuma-se objeto orçado no valor de R$ 1 milhão. Uma proposta de
R$ 840 mil (84%) ensejaria garantia adicional de R$ 10 mil e uma proposta de R$ 740 mil (74%) ensejaria garantia adicional de R$ 110 mil.

Considerando uma garantia de execução de 5% sobre o valor do contrato (R$ 50 mil na hipótese), o primeiro caso implicaria acréscimo de 1 ponto base no percentual total de garantia. Já o segundo caso resultaria no acréscimo de 11 pontos base, ou seja, a garantia adicional seria maior que o dobro da garantia de execução.

A imposição da cautela (garantia adicional) à proposta “agressiva” (dentro do patamar), torna esta, no agregado, mais onerosa sob o ponto de vista do licitante. Já a proposta, aquém do patamar, tornar-se-ia ainda mais questionável em função da exigência de garantia adicional, muito superior à garantia de execução.

Apesar de não haver estudo empírico para comprovar as consequências negativas indicadas no voto supracitado, não há como ignorar o aspecto temerário subjacente às propostas aquém do patamar de exequibilidade, sobretudo em virtude da garantia adicional.

A solução viável, partindo da orientação da presunção relativa, é a calibragem da regra perante o caso concreto: diligências deveriam ser abertas para desvios pequenos e o valor da garantia adicional deve ser sopesado para que este não seja o fator que tornará a proposta inexequível.

A própria NLLC veicula essa solução (referência às disposições do Decreto-Lei 4.657/1942). Sopesar as consequências para a tomada de decisão é essencial para evitar que uma escolha aparentemente “barata” saia “caro” para a administração pública.

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