Quando o cumprimento parcial do contrato é equivalente ao inadimplemento total?

Nem sempre "feito é melhor que perfeito". Em algumas situações o "feito" pode ter as mesmas consequências que o "não feito".
Ana-Luisa-Lopes-Gomes

Ana Luisa Lopes Gomes

Advogada da área de estruturação de negócios

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Síntese

STJ entende que uma obrigação cumprida de forma parcial apenas configura adimplemento parcial quando atende os interesses que levaram o credor a celebrar o contrato, caso contrário, ainda que cumprida parcialmente a obrigação, restará caracterizado o inadimplemento absoluto do contrato, sendo aplicáveis as penalidades cabíveis ao devedor.

Comentário

Feito é melhor que perfeito? Esta expressão nem sempre é considerada aplicável ao cumprimento contratual. A depender da situação, se o cumprimento contratual não ocorrer nos exatos termos pactuados, o “feito” será considerado “não feito”, e o contrato será considerado totalmente inadimplido. 

O Recurso Especial n.º 1731193 – SP teve como questão principal a existência de situações em que o cumprimento apenas parcial das obrigações contratuais pode ser considerado descumprimento integral, de modo a ensejar a rescisão do contrato.

Foi objeto da demanda um contrato de prestação de serviços de desenvolvimento e implementação de sistema eletrônico integrado de gestão empresarial, celebrado entre Universal Automotive Systems S.A. na condição de contratante e TOTVS S.A. na condição de contratada. A Universal ajuizou ação de resolução de contrato cumulada com obrigação de fazer e de não fazer, sob o argumento de que o sistema contratado nunca chegou a funcionar.

Em primeiro grau, a demanda foi julgada improcedente, pois entendeu-se que o sistema não funcionou de forma plena em razão das diversas modificações e ampliações de escopo requeridas pela Universal. Em segundo grau, o TJSP manteve a decisão, entendendo que houve adimplemento substancial dos serviços contratados. O STJ, então, reformou a decisão e decidiu dar razão à Universal, declarando o contrato extinto e decretando a aplicação das penalidades cabíveis face à TOTVS. 

Ao analisar a questão, o relator do Resp. no STJ salientou que para distinguir o cumprimento parcial do inadimplemento total do contrato é preciso levar em consideração: (i) a natureza da prestação; (ii) a intenção das partes no momento da contratação; e (iii) o proveito efetivamente auferido pelo credor com o que lhe foi entregue. Ou seja, para a caracterização do adimplemento parcial do contrato é necessário que a prestação tenha atendido aos interesses da parte contratante, ainda que de forma incompleta.

Com base nesse raciocínio, o cumprimento parcial de uma obrigação, seja em razão da inobservância do tempo, modo, lugar ou da forma contratada, sem proveito ao contratante em razão da forma como foi prestada, é considerado inadimplemento total do contrato e não apenas parcial. 

Tendo em vista tal entendimento, o relator do recurso, Ministro Moura Ribeiro, decidiu que no caso analisado os serviços prestados pela TOTVS não atenderam nem mesmo parcialmente aos interesses da Universal. De acordo com o Ministro, uma vez que a Universal já utilizava softwares para exercer as suas atividades, e apenas celebrou o contrato para que lhe fosse fornecido um sistema melhorado, que viabilizasse a integração dos diversos setores da empresa, se o software que lhe foi entregue não viabilizou tal pretensão, o contrato não pode ser considerado nem mesmo parcialmente cumprido. 

Analisando especificamente a natureza dos serviços a serem prestados em decorrência do contrato celebrado entre TOVTS e Universal, qual seja, o desenvolvimento de software, o Ministro enfatizou a importância das ferramentas eletrônicas para o sucesso de determinadas atividades empresariais e ressaltou que, em algumas situações, a entrega de um software que não funcione perfeitamente pode resultar em prejuízos inestimáveis para a empresa contratante. 

Neste sentido, ao celebrar um contrato de prestação de serviços ou de entrega de produtos, é fundamental estabelecer claramente no contrato qual o objetivo das partes com aquela contratação, o que se espera dos serviços ou produtos contratados. Assim, cláusulas que prevejam as especificações técnicas do produto ou serviço, as funcionalidades que ele deve oferecer, e os fins para os quais ele será utilizado são fundamentais.

Quando os objetivos das partes estão previstos de forma clara no contrato, é mais fácil identificar se o adimplemento parcial das obrigações pelo credor foi suficiente para atender, ainda que parcialmente, o esperado pelo credor quando assinou o contrato, ou se os objetivos do credor foram frustrados, de modo a caracterizar o inadimplemento total do contrato. Nesta hipótese, o credor poderá requerer a rescisão do contrato, bem como a aplicação de todas as penalidades cabíveis, tais como a devolução de valores pagos, se houver, o ressarcimento dos prejuízos sofridos, etc. 

Logo, com base na decisão do STJ, a análise acerca do adimplemento ou inadimplemento do contrato não é tarefa simples. Não basta que algo tenha sido “feito” de qualquer maneira e a qualquer tempo, é necessário que os interesses jurídicos do credor tenham sido satisfeitos com o que foi entregue.

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