Muito embora a discussão acerca do financiamento de litígios no Brasil ainda esteja distante do patamar de difusão que se vê em países como Estados Unidos e Inglaterra, é preciso voltar os olhos para essa questão, que surge como mecanismo potencial de promoção do acesso à justiça, bem como uma vertente, sob a perspectiva econômica, do exercício da livre iniciativa no âmbito dos procedimentos judiciais e arbitrais.
E o tema ganha peculiar relevância diante do diagnóstico de seu gradativo desenvolvimento no Brasil e na América Latina. No plano das disputas arbitrais, recente publicação (ver aqui) dá conta da existência de casos em trâmite nas principais câmaras de arbitragem do Brasil, de grande expressão econômica, sendo objeto de financiamento:
Mas, afinal, o que se entende por financiamento de litígios?
Em suma, essa prática, conhecida na experiência estrangeira pelos termos third-party litigation funding ou alternative legal financing,consiste no subsídio financeiro prestado por um terceiro, em favor de uma das partes, para suprir os custos inerentes à determinada demanda, judicial ou arbitral, em troca de fração do proveito econômico ou de determinado valor fixo devidos em caso de desfecho favorável. Ou seja, um terceiro financia a parte, arcando com os custos do litígio (contratação de advogados especializados e assistentes técnicos, custos de perícias, despesas processuais e verbas sucumbenciais) para, ao final, beneficiar-se de parcela do retorno financeiro obtido com a vitória na demanda.
Se a parte financiada é derrotada, o financiador perde o investimento; se a parte financiada vence, partilha o resultado com o financiador nos termos do que tiver sido ajustado no acordo (litigation funding agreement).
Ressalte-se que esse mecanismo não encontra regulamentação específica ou vedação no Brasil, o que ainda permite uma maior liberdade __ criatividade __ em sua utilização, balizada, por ora, pela experiência internacional. No ambiente da arbitragem, o tema é reconhecido pelas câmaras arbitrais internacionais (ver, por exemplo, o relatório da International Council for Commercial Arbitration – ICC). As câmaras nacionais não desconhecem o assunto e passam a emitir orientações específicas para disciplinar eventual conflito de interesses entre financiador e árbitros, assegurando um procedimento imparcial (ver, por exemplo, aquelas divulgadas pelo Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá – CAM-CCBC).
Ponto relevante é que o financiamento de litígios não interessa apenas a partes com escassos recursos financeiros, mas também a grandes empresas que, por exemplo, corram o risco de comprometer substancialmente seu planejamento orçamentário, caso sejam obrigadas a arcar com os custos inerentes a uma demanda de valores expressivos e que podem ser acentuados em caso de derrota.
Sob tal perspectiva, o financiamento pode representar uma ferramenta de facilitação de acesso à justiça em sentido amplo, para abarcar não apenas sujeitos e coletividades em situação de vulnerabilidade (hipótese em que o financiador arca com os custos com os quais o legitimado jamais suportaria para manter uma ação individual ou coletiva), mas qualquer outra situação em que o legitimado não tenha condições de prover os recursos intrínsecos ao litígio. A ferramenta serve ainda __ e talvez aqui se tenha uma interessante utilidade __ quando a parte, a despeito de dispor de recursos, objetiva gerir os riscos econômicos do litígio e compartilhá-los com o terceiro financiador.
Essencialmente, sob o viés da parte legitimada, as seguintes vantagens do financiamento de litígios podem ser enumeradas:
a) supre o problema da hipossuficiência de recursos: soluciona a dificuldade da parte que não dispõe dos recursos para suportar um vagaroso e custoso procedimento, seja judicial ou arbitral;
b) funciona como técnica de gestão de risco: a parte, disponha ou não de recursos, pode pretender repartir o risco econômico ínsito a uma disputa arbitral ou judicial (despesas procedimentais, custos relativos à instrução probatória e eventuais verbas sucumbenciais) com o terceiro, ainda que isso exija abrir mão de parcela do resultado final;
c) serve como validação da chance de sucesso da demanda: a parte tem ciência que o financiador fará um rigoroso escrutínio do caso e avaliará os prognósticos de sucesso antes de aceitar o financiamento. Logo, a aceitação do financiamento convalida a expectativa de um resultado favorável; a recusa, por sua vez, pode inibir demandas temerárias.
Já sob o viés do financiador, a perspectiva das vantagens é muito mais pragmática: avalia-se a matriz de risco do litígio e os prognósticos de sucesso. Os potenciais financiadores apenas terão interesse em causas com a perspectiva provável de sucesso, a partir de um cálculo econômico.
Logicamente, o financiamento de litígios não é isento de críticas. Um dos temas mais polêmicos diz respeito à perda de autonomia da parte – titular do direito – na condução da causa e o eventual conflito de interesses com o financiador. Por isso, a provocação do título: com o financiamento, quem é o verdadeiro protagonista do procedimento judicial ou arbitral? A parte ou o financiador?
Sem pretender adentrar as discussões teóricas e éticas do tema, de acordo com diretrizes internacionais, os financiadores são proibidos de tomar o controle da condução da causa ou restringir direitos do legitimado. Inevitavelmente, porém, a parte perde algo de sua autonomia, uma vez que o financiador é quem fornece os recursos financeiros, inclusive para a contratação de advogados.
As indagações não param por aí. O financiamento de litígios também pode dar margem ao conflito de interesses entre a parte e o agente financiador, o que pode suceder, por exemplo, por ocasião da decisão, de celebrar um acordo ou não, retirando relativa autonomia da parte.
Mais uma vez, essencial é que o contrato de financiamento delineie os papéis de cada um, num arranjo contratual que evidencie os interesses convergentes e crie soluções para as hipóteses de dissenso.
Em linhas gerais, numa ponderação de prós e contras, tende-se a ver com bons olhos a utilização do financiamento de litígios, crendo que seus benefícios superem eventuais resultados indesejados, sobretudo, por servir como uma relevante ferramenta de facilitação de acesso à justiça e de gestão e compartilhamento dos riscos da litigiosidade.
Seguramente, por essa razão, o mecanismo é largamente empregado na experiência internacional, ainda que submetido à moderada regulação, pela qual se estabelecem diretrizes éticas (ver aqui e aqui) e códigos de conduta, disciplinando e outorgando transparência à relação entre financiador e parte financiada.