Rejeição de denúncia genérica

Como os tribunais têm se posicionado quanto ao prosseguimento de ações penais em casos de crimes econômicos e contra a Administração Pública
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Desirée Rodriguez

Advogada egressa

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Em razão dos recentes acontecimentos político-econômicos vivenciados no Brasil, há um número crescente de denúncias que versam sobre crimes de fraude à licitação e contra a ordem financeira envolvendo entes privados.

No entanto, nota-se que se tem privilegiado o volume de denúncias em detrimento da observância dos preceitos legais que as instruem. Isso se torna ainda mais evidente diante das recorrentes decisões dos tribunais superiores.

Verifica-se que os tribunais federais têm sistematicamente rejeitado denúncias genéricas, ou seja, aquelas que são ofertadas sem os requisitos necessários.

Destaca-se neste sentido a decisão proferida no Inquérito nº 4.103, na qual a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, rejeitou integralmente a denúncia que versava sobre o crime de fraude em licitação.

Em tal inquérito, apurava-se a ocorrência de fraude ao caráter competitivo de licitação por fracionamento de despesas, delito este previsto no artigo 90 da Lei nº 8.666/93.

No caso, a licitação que previa obras de saneamento básico, e que foi realizada por meio de duas tomadas de preço, teria sido supostamente fraudada, eis que seu valor global exigia modalidade licitatória mais rigorosa (concorrência).

Em seu voto, o Ministro Dias Toffoli compreendeu que a exposição do ilícito penal constante à denúncia não foi suficiente, uma vez que não houve descrição determinada de qual teria sido a vantagem auferida pelo acusado e as empresas envolvidas, pelo que reconheceu a inépcia da denúncia como um defeito formal e a desconsiderou integralmente.

Salienta-se, ainda, que a exordial acusatória também pode ser rejeitada quando inexistente o embasamento probatório mínimo que a sustente, isto é, quando se observa a ausência de pressuposto processual (ou condição para o exercício da ação penal) e a própria justa causa para o prosseguimento da ação penal.

Neste contexto, em recente decisão também proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (Inquérito nº 3.994), foi rejeitada denúncia que apurava a ocorrência de lavagem de dinheiro por meio de doações em campanhas eleitorais, bem como o crime de corrupção passiva (art.317 do Código Penal).

O Ministro Toffoli, em seu voto, ao verificar a fragilidade da delação realizada – posto que os colaboradores teriam feito anotações pessoais, que suspostamente se traduziriam em pagamentos indevidos aos parlamentares federais – reconheceu a ausência de justa causa para a persecução criminal, porquanto a denúncia baseava-se exclusivamente em titubeantes delações premiadas, sem qualquer outra fonte probatória que as corroborasse.

Notadamente em crimes econômicos, complexos em sua natureza, vez que há pluralidade de delitos e pessoas, percebe-se a tendência de respostas mais sancionadoras por parte do Estado e, por vezes, a opção pelo oferecimento de denúncias “genéricas”, as quais apenas sugerem o modo com que as condutas foram praticadas, sem qualquer individualização, em total dissonância com os pressupostos constitucionais da presunção de inocência e da ampla defesa, princípios estes que devem nortear toda e qualquer ação penal.

Considerando especialmente o atual panorama social, o órgão acusatório acaba por compreender que empresários integram organizações criminosas com a finalidade única de obter vantagem ilicitamente e, de maneira generalizada e com inobservância aos preceitos legais, os imputa as práticas delitivas previstas na Lei nº 8.137/90.

Assim, correto o entendimento dos Tribunais, ao reconhecer a necessidade do preenchimento dos requisitos mínimos da denúncia, priorizando as garantias constitucionais em relação ao poder sancionador do Estado.

Em outras palavras e em síntese, em uma sociedade que clama cada vez mais pela punição e que parte do pressuposto de que todo acusado é culpado, sem preocupar-se com o gasto gerado com a movimentação da máquina judiciária, há que se observar adequadamente as disposições legais, evitando-se denúncias precipitadas e infundadas, garantindo, acima de tudo, a dignidade da pessoa humana.

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