Requisitos para a indisponibilidade de bens nas ações de Improbidade Administrativa: o que mudou?

Com a alteração da Lei de Improbidade Administrativa, como o Superior Tribunal de Justiça tem disciplinado a indisponibilidade de bens?
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Filipe Nesi Tossi Silva

Advogado egresso

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Em 25.10.2021, foi promulgada a Lei n.º 14.230/2021, que alterou de forma significativa o sistema repressivo da Improbidade Administrativa. Dentre essas alterações, a indisponibilidade de bens foi objeto de modificação substancial, especialmente em relação aos requisitos que o órgão de acusação deverá demonstrar para obtenção dessa medida.

Antes da alteração legislativa, a Lei de Improbidade Administrativa não tratava de forma clara os requisitos que deveriam ser demonstrados para que fosse possível a decretação de indisponibilidade de bens dos requeridos, ou réus, em ações de Improbidade Administrativa, dando espaço para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ____ no seu papel de uniformizador de interpretação de legislação federal ____ fixar interpretações que deveriam ser, obrigatoriamente, seguidas pelos diversos Tribunais em âmbito nacional (Temas de Recurso Especial Repetitivo nºs 701 e 1.055).

Nesse contexto, passou a vigorar entendimento no sentido de que a medida de indisponibilidade de bens poderia ser decretada diante da mera demonstração de indícios da prática de ato ímprobo, não se exigindo demonstração de que o réu estaria dilapidando ou ocultando seu patrimônio (Tema nº 701).

Consolidou-se, ainda, interpretação de que o valor que poderia ser objeto da medida de indisponibilidade de bens não estaria limitado ao valor do dano aos cofres públicos ou ao enriquecimento ilícito do agente, sendo possível incluir nos limites do montante a ser bloqueado judicialmente o valor de eventual multa civil a ser aplicada em eventual condenação (Tema n.º 1.055).

Todavia, com a alteração da Lei de Improbidade Administrativa, em 25.10.2021, incluiu-se expressamente no texto da citada lei a previsão de requisitos que deveriam ser demonstrados pela acusação para permitir o Poder Judiciário a decretar a indisponibilidade de bens dos réus em ações de improbidade.

A Lei de Improbidade Administrativa, em sua redação atual, exige que o órgão de acusação demonstre, para além da existência de fortes indícios da prática do ato tido como ímprobo, a existência de urgência na decretação da medida de indisponibilidade de bens. Ou seja, não se poderá promover o bloqueio de bens dos acusados se não ficar demonstrado que estes estão dilapidando ou ocultando seu patrimônio, de forma a tentar evitar a reparação do dano aos cofres públicos ou a perda dos valores obtidos de forma ilícita.

Além disso, tal lei passou a prever, de forma expressa, que o montante a ser objeto da medida de indisponibilidade de bens não poderá contemplar o valor da multa civil que seria aplicada no caso de eventual condenação por ato de improbidade. Em outras palavras, somente o valor indicado pela acusação como dano ao patrimônio público ou como enriquecimento ilícito poderá ser objeto de bloqueio judicial.

O que se percebe, então, é uma verdadeira ruptura no que concerne à medida de indisponibilidade de bens. A nova redação da Lei de Improbidade Administrativa é expressamente antagônica à interpretação anteriormente conferida pelo Superior Tribunal de Justiça ao tema em questão.

Nesse cenário, uma pergunta ainda permanece: como o Superior Tribunal de Justiça está decidindo sobre a medida de indisponibilidade de bens?

Observando os Acórdãos prolatados pelo Superior Tribunal de Justiça nesse período de aproximadamente dois anos após a entrada em vigência da Lei que alterou a Lei de Improbidade Administrativa, o que se vislumbra é um comportamento aparentemente conservador da Corte Superior, que continua aplicando a interpretação fixada anteriormente à modificação legislativa.

Dizendo de outro modo, o Superior Tribunal de Justiça vem, reiteradamente, reforçando que a indisponibilidade de bens dos acusados pode ser decretada mesmo na ausência de demonstração de dilapidação ou ocultação de patrimônio ____ além de que esta medida poderia contemplar o valor de eventual multa civil ____, em contrariedade ao próprio texto da Lei de Improbidade Administrativa.

Esse contexto contraditório é algo que, inegavelmente, acaba gerando um cenário de insegurança para aqueles que são réus em ações de improbidade. Afinal, torna-se difícil antecipar se os magistrados julgarão um processo com fundamento no texto expresso da lei, ou com base no precedente de caráter vinculante do Superior Tribunal de Justiça.

Apesar de parecer claro que a alteração da lei deve prevalecer sobre o entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto, a verdade é que este problema encontra raízes muito mais profundas. Este entendimento fixado pelo STJ possui, por previsão legal (no caso, o Código de Processo Civil), força para vincular a atuação das instâncias hierarquicamente inferiores, ou seja, não se pode julgar em sentido contrário.

Assim, ainda que a Lei de Improbidade Administrativa agora exija requisitos claros para permitir a decretação de indisponibilidade de bens dos réus, a real definição da controvérsia aparenta estar distante. Para que a lei seja aplicada de maneira uniforme no território nacional, o Superior Tribunal de Justiça deve, antes de tudo, promover a revisão de seu entendimento sobre a matéria, passando a reconhecer a validade das alterações implementadas na Lei de Improbidade e a superação das interpretações formuladas anteriormente. 

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