Riscos jurídicos que devem ser considerados pelos concessionários de serviços de saneamento básico

Precedentes judiciais que atribuem ao concessionário obrigações que extrapolam o contratado na concessão impõem a atenção dos players do mercado.
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Renan Sequeira

Advogado da área de contencioso e arbitragem

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O saneamento básico vem se mostrando um dos principais desafios do Brasil. Ainda hoje, em que pese importantes avanços, a falta de água potável impacta cerca de 32 milhões de pessoas, ao passo em que a falta de acesso à coleta e ao tratamento de esgoto atinge 90 milhões de brasileiros, como indica o Ranking do Saneamento 2024 do Instituto Trata Brasil.

Esse cenário foi o pano de fundo da Lei n.º 14.026/2021, que alterou a Lei n.º 11.445/2007 (Lei Nacional de Saneamento Básico – LNSB), fixando um prazo-limite para que o Poder Público promova a universalização da prestação dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto. De acordo com o novo artigo 11-B da LNSB, tais serviços devem estar disponíveis à população brasileira até 2033.

Tal contexto, marcado pelas graves deficiências atuais do saneamento no país, de um lado, e pela necessidade da promoção da universalização até 2033, de outro, vem incentivando o mercado de concessões da prestação desses serviços públicos. Isso tendo em vista que a universalização demanda altos investimentos, sendo importante o emprego de recursos privados nessa missão tão essencial.

A contratação da concessão é amparada por arcabouço normativo bastante detalhado, sendo precedida de estudos de viabilidade técnica e financeira. Nessa esteira, são previstos não somente os investimentos que serão realizados pelo concessionário, mas também o momento da concessão no qual as melhorias contratadas poderão ser exigidas.

Nada obstante, o que se nota é que essa dinâmica de contratação não é sempre observada pelo Poder Judiciário.

Diversas são as ações judiciais, movidas por diferentes atores em face de concessionários, que tem como objeto a prestação dos serviços públicos de saneamento, mas com exigências que sequer encontram correspondência no escopo da concessão. Não raramente a pretensão exigida não condiz com os investimentos contratados ou com o prazo a partir do qual a concessionária pode ser exigida de determinado cumprimento.

Também não é difícil encontrar processos nos quais são discutidos problemas que tem sua origem em momento anterior ao início da concessão. Em muitos casos, iniciada a concessão, o concessionário é inserido quase que instantaneamente no polo passivo dessas demandas.

É claro que existem diferentes mecanismos processuais e linhas de defesa para afastar a responsabilização da concessionária ou mesmo seu ingresso em ações judiciais dessa natureza. Como exemplo, pode-se citar a ausência de ilegitimidade passiva ou a impossibilidade de denunciação à lide ou de redirecionamentos, nos casos em que a concessionária é alocada no polo passivo de ação judicial em curso antes do início da concessão. Já no mérito, para além da defesa associada aos limites da contratação, pode-se aduzir a teoria da reserva do possível e a impossibilidade de violação à separação de poderes, tendo em vista que cabe ao Poder Executivo, e não ao Judiciário, dispor sobre políticas públicas relativas ao saneamento básico.

Nada obstante, fato é que em várias circunstâncias se impõe ao concessionário o cumprimento de obrigações que extrapolam o que foi contratado no âmbito da concessão, principalmente para exigir imediatamente a execução de investimentos que só seriam devidos no futuro. É que, muitas vezes de forma equivocada, a análise dos magistrados privilegia o direito da coletividade ao acesso aos serviços de saneamento, sem levar em conta que o concessionário é obrigado tão somente por aquilo que foi contratado junto ao Poder Concedente.

Ter isso em mente é importante para que estratégias de defesa complementares sejam observadas. É o caso principalmente de defesas demonstrando que eventuais medidas que violem o contratado, devam ser sempre acompanhadas de medidas que reestabeleçam o equilíbrio econômico-financeiro da concessão.

A estruturação de tal defesa, em realidade, acaba tendo uma função dupla. É que, para além de proteger os impactos agudos na equação econômico-financeira do contrato advindos de eventual comando judicial, ajudam a demostrar ao Judiciário as consequências concretas da opção por se avançar no objeto do contrato de concessão, o que por vezes pode sensibilizar os julgadores.

Dito tudo isso, o conhecimento desse movimento jurisprudencial e a realização de due diligence processual nos foros abrangidos pela concessão é de extrema importância para o concessionário. É que, para além da possibilidade de precificação mais adequada dessa sorte de riscos, pode-se definir antecipadamente estratégias processuais e de defesa mais assertivas para a preservação de seus interesses.

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