Saneamento sem atalho: veto presidencial mantém licenciamento ambiental para obras no setor

Presidência veta dispensa de licenciamento ambiental no saneamento, mas cria MP que pode agilizar o processo
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Angélica Petian

Sócia-diretora

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A universalização do saneamento básico é uma das metas mais relevantes do país para a próxima década. Com prazo estabelecido até 2033, o novo marco legal impulsionou a estruturação de concessões e parcerias com a iniciativa privada, buscando ampliar os investimentos no setor. No entanto, o ritmo de implementação ainda é considerado insuficiente diante da complexidade e da escala dos desafios.

Entre os principais gargalos está o licenciamento ambiental. Essencial para garantir a viabilidade e a segurança dos empreendimentos, o processo demanda tempo, recursos técnicos e capacidade institucional de agentes públicos e privados. Para enfrentar esses entraves, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021, convertido na Lei nº 15.190/2025 após a sanção presidencial, que propõe uma nova dinâmica para o licenciamento ambiental.

Em sua versão original, o PL propunha mudanças estruturais para o setor de saneamento básico. A mais significativa era a dispensa de licenciamento ambiental para sistemas e estações de tratamento de água e esgoto até o cumprimento das metas de universalização, prevista no art. 10 do PL. 

Outra alteração especificamente destinada ao setor de saneamento constava do art. 11 do PL, que permitia o licenciamento de obras e serviços por meio da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC). Essa modalidade, mais simplificada, teria vigência entre cinco e dez anos, e poderia ser utilizada no licenciamento de atividades de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

Essas propostas respondiam a uma demanda histórica por desburocratização, favorecendo, na teoria, o destravamento de projetos, a agilidade na execução de obras e a atração dos investimentos necessários para o cumprimento das metas previstas no marco legal. Contudo, especialistas advertiam para que não se realizasse uma leitura excessivamente otimista do PL: a flexibilização do licenciamento não reduziria, por si só, os riscos, custos ou responsabilidades dos operadores e entes públicos envolvidos no setor.

A título exemplificativo, nos contratos mais recentes de PPPs e concessões, é comum que a gestão de passivos e riscos ambientais seja atribuída ao concessionário, conforme a matriz de riscos e obrigações de cada contrato. A eventual dispensa de licenciamento prévio não o eximiria da obrigação de prevenir e remediar danos ambientais, tampouco o protegeria contra medidas sancionatórias em caso de impactos negativos. A inexistência de condicionantes ambientais poderia ampliar os custos de remediação, transferindo ao operador ônus que poderiam ter sido mitigados previamente.

Além disso, a redução da burocracia formal não garantiria, necessariamente, a diminuição dos litígios ou dos custos de transação. Sem critérios ambientais objetivos e parâmetros técnicos bem definidos, os órgãos de controle – como o Ministério Público e autoridades ambientais – poderiam entender que as medidas adotadas pelos operadores foram insuficientes, com base nos princípios da prevenção e da precaução ambiental. Isso poderia resultar em embargos, sanções, ações civis públicas e outras formas de litígio que comprometeriam a segurança jurídica e o avanço dos projetos.

Atenta aos problemas que poderiam resultar de uma simplificação irrestrita do processo de licenciamento ambiental, a Presidência da República adotou postura cautelosa e vetou os dispositivos destinados ao saneamento básico. De acordo com a mensagem de veto, a dispensa de licenciamento, enquanto não atendidas as metas de universalização, poderia levar à implantação de projetos sem a análise de seus impactos ambientais ou sem alternativas ambientais adequadas.

A possibilidade de simplificação do licenciamento de empreendimentos de saneamento básico, contudo, não foi encerrada com os vetos. Na mesma data em que sancionou a Lei nº 15.190/2025, a Presidência da República editou a Medida Provisória (MP) nº 1.308, que trata especificamente da Licença Ambiental Especial (LAE). Trata-se de procedimento que busca agilizar o licenciamento de empreendimentos estratégicos, que assim serão definidos em decreto do Chefe do Poder Executivo após proposta bianual do Conselho de Governo. 

Considerando as desafiadoras metas de universalização, é possível que o futuro decreto compreenda empreendimentos de saneamento para contornar esses obstáculos. Caso essa seja a opção, a LAE poderá representar um novo caminho para mitigar entraves sem abrir mão da análise prévia dos impactos ambientais, equilibrando celeridade e segurança.

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