Serviços uti singuli, uti universi e concessões de serviço público

A evolução na classificação de serviços públicos quanto à sua fruição traz implicações práticas aos modelos concessórios possíveis.

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A Constituição Federal de 1988 dá ao Poder Público a possibilidade de delegar a terceiros a prestação de determinados serviços públicos, por meio de concessão ou permissão.

No âmbito das concessões de serviços públicos se inserem as modalidades comum, patrocinada e administrativa, que se diferenciam basicamente, mas não só, pelo sistema remuneratório admitido. Para a presente discussão, basta dizer que as duas primeiras modalidades envolvem receita tarifária, enquanto que a última (concessão administrativa) apenas admite contraprestações públicas para fins de remuneração do parceiro privado, com eventual complementação por receitas acessórias, em qualquer dos modelos. Em vista disso, a opção pelo modelo concessório a ser adotado irá depender de algumas variantes, dentre as quais a classificação do serviço público de acordo com a sua fruição. Fala-se, aqui, em serviços uti singulie e serviços uti universi.

Serviços uti singuli, ou seja, de fruição individual, divisíveis, são aqueles para os quais pode-se identificar facilmente um usuário, dada a divisibilidade da prestação. É o caso, por exemplo, do serviço de transporte público.

Já os serviços uti universi, indivisíveis, são os de fruição coletiva, usufruídos por todos de forma indistinta. É o que acontece com o serviço de iluminação pública, tradicionalmente classificado como uti universi.

Aos serviços uti singuli é permitida a remuneração por sistema tarifário, uma vez que facilmente se individualiza a prestação do serviço. Isso viabiliza, portanto, a concessão nas modalidades comum e patrocinada.

A discussão se trava quanto aos serviços classificados como uti universi. Sob a ótica tradicional, o custeio de serviços dessa natureza não pode ser feito por taxa nem por tarifa. Em consequência, estaria vedada a possibilidade de delegação destes serviços por concessão comum ou patrocinada, admitindo-se apenas a concessão administrativa.

Percebe-se, no entanto, uma evolução nessa seara. É que a classificação de serviços públicos como uti singuli ou uti universi pode ser relativizada, ou seja, há casos em que a prestação de serviço beneficia a coletividade, mas pode, também, ser individualizada (ao menos parte). Nestas hipóteses, tem-se admitido a concessão do serviço pela via comum ou patrocinada, desde que seja possível identificar, mínima e razoavelmente, uma relação entre a prestação do serviço e um usuário. É o que acontece com alguns serviços de limpeza urbana, por exemplo, em que parte do serviço é individualizável e, nessa medida, tarifável.

Sob esse enfoque, cabe atenção especial para os serviços de iluminação pública. Ante as exigências específicas para a instituição de taxa para sua remuneração _ haja vista que, conforme estabelece o Código Tributário Nacional, os serviços passíveis de taxa devem ser específicos e divisíveis, conceitos esses que possuem conotação própria _, criou-se a Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública – COSIP que, para efeitos práticos, pressupõe a individualização do beneficiário de um serviço uti universi.

A conjuntura traz à mesa a discussão quanto à viabilidade de instituição de sistema tarifário para fins de remuneração de concessão dos sistemas de iluminação pública, precisamente em vista de que a tarifa e a taxa não se confundem, cada qual com regime jurídico diverso, já reconhecido em julgados das Cortes superiores. Assim, vale dizer que a vedação à instituição de taxa a um determinado serviço não necessariamente significará a vedação à tarifação desse serviço.

Conquanto haja espaço para amplas discussões, fato é que há uma tendência a se superar o entendimento rígido da doutrina tradicional sobre a classificação de serviços públicos quanto à sua fruição. A identificação do serviço como uti singuliou uti universi não pode ser feita apenas de forma abstrata e estanque, mas deve levar em consideração as peculiaridades de cada caso.

A criação de novas técnicas de individualização da conduta permite não apenas ampliar o rol de modelos para a delegação dos serviços públicos – uma tendência hoje no País a se viabilizar com prestação adequada, contornando as limitações financeiras dos entes públicos –, como tem um importante papel em disciplinar, pela imposição de um ônus financeiro direto, o uso da infraestrutura, promovendo a sua preservação.

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