Síntese
Em acórdão proferido no segundo semestre de 2022, a Suprema Corte versou sobre dispositivo da Constituição do Estado do Paraná que limita a construção de centrais hidrelétricas e termoelétricas, entendendo por sua inconstitucionalidade, partindo do pressuposto que a legislação da matéria compete privativamente à União
Comentário
Um dos campos mais significativos da construção pesada é, sem dúvidas, aquele associado às centrais hidrelétricas e termoelétricas. Sobre este assunto, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu importante decisão no segundo semestre de 2022, reforçando entendimento sobre a competência privativa da União para legislar sobre essas atividades.
O julgado em questão foi proferido no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 7076, relatada pelo Ministro Roberto Barroso. Resumidamente, foi discutida na supracitada ADI a possibilidade de uma Constituição Estadual dispor sobre instalações de energia elétrica (centrais hidrelétricas e termoelétricas) e nucleares. A questão principal que se colocou residia em saber se o dispositivo da Constituição Estadual impugnado possuiria ou não vício de inconstitucionalidade formal.
A ADI foi proposta pela Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel) contra o artigo 209 da Constituição do Estado do Paraná, em sua redação originária. Nele, condiciona-se a construção de centrais hidrelétricas e termoelétricas à realização de projeto de impacto ambiental e à aprovação da Assembleia Legislativa Estadual. Além disso, o referido dispositivo exigia, para a construção de centrais termonucleares, o cumprimento desses mesmos requisitos, além da realização de consulta plebiscitária.
Em outras palavras, a Constituição paranaense impôs condições locais para a construção de centrais termoelétricas, hidrelétricas e termonucleares, dispondo sobre atividades nucleares e em matéria de energia. A questão enfrentada, então, foi sobre a constitucionalidade ou não dessa disposição da Constituição Estadual.
Em seu acórdão, o STF entendeu que o constituinte estadual incorreu em inconstitucionalidade, por vício formal. Chegou-se a tal conclusão a partir da premissa de que as normas da Constituição Federal são claras ao dispor que compete à União, privativamente, explorar serviços de energia e atividades nucleares de qualquer natureza e legislar sobre eles. Assim sendo, apenas a lei federal pode dispor sobre questões envolvendo águas, energia, recursos minerais e atividades nucleares, não havendo, para mais, lei complementar federal que autorize os entes federativos a legislarem sobre questões específicas relacionadas a essas matérias.
Dessa forma, no entender do STF, não é possível a interferência dos Estados-membros em matérias relacionadas à atividade nuclear e à energia. É precisamente em razão disso que foi reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 209 da Constituição do Estado do Paraná, uma vez que, por meio de tal dispositivo, o constituinte estadual claramente avançou sobre matérias de competência privativa da União.
Ao fundamentar seu voto, o Ministro Roberto Barroso destacou que a Suprema Corte tem reconhecido, reiteradamente, a inconstitucionalidade formal de leis estaduais semelhantes. Entre outros julgados, foram destacados precedentes nos quais se chegou às seguintes conclusões: (i) a competência exclusiva da União para legislar sobre atividades nucleares de qualquer natureza (ADI 329, Relatora Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJe. 28.5.2004); (ii) que é inconstitucional norma estadual que dispõe sobre atividades relacionadas ao setor nuclear no âmbito regional (ADI 1.575, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe. 11.6.2010); (iii) a impossibilidade de a Constituição Estadual estabelecer vedações à empresa concessionária de fornecimento de energia elétrica (ADI 5960, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. 22.09.2020), e (iv) a inconstitucionalidade de norma posta em Constituição Estadual que impõe restrição à implantação de instalações industriais destinadas à produção de energia nuclear (ADI 4.973, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 5.10.2020, DJe. 19.10.2020).
Do julgado apresentado em questão, fica claro que apenas a lei federal pode dispor sobre questões envolvendo águas, energia, recursos minerais e atividades nucleares. Por isso, são inconstitucionais as normas estaduais que versam sobre serviços de energia, o que deve ser alvo de constante atenção por todos agentes da construção pesada associada às centrais hidrelétricas e termoelétricas.