STF pode destravar centenas de projetos de concessão de resíduos sólidos

A consolidação de um ambiente jurídico-institucional que amplie o serviço de coleta e destinação de resíduos sólidos aguarda julgamento pelo STF.
Thiago-Lima-Breus

Thiago Lima Breus

Head da área de infraestrutura e regulatório

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Síntese

O STF julgará o Tema 903 de repercussão geral e decidirá se os serviços de coleta e destinação de resíduos sólidos podem ser remunerados por tarifa. Se entender pela possibilidade da cobrança de tarifa (na forma já estabelecida pelo Novo Marco Legal do Saneamento), consolidará um ambiente jurídico-institucional apto a ampliar o serviço de coleta e destinação de resíduos sólidos no país, liberando centenas de iniciativas de concessões atualmente paralisadas, aguardando o veredicto do STF.

Comentário

Com o reconhecimento de repercussão geral no Recurso Extraordinário n.º 847.429 (Tema 903), o Supremo Tribunal Federal (STF) afetou para deliberação, por seu Plenário, tema de enorme repercussão sobre a concessão do serviço público de coleta e destinação de resíduos sólidos. A Corte decidirá se tais serviços podem ser remunerados por tarifa ou se apenas a cobrança de taxa ____ como contrapartida à prestação ____ mostra-se constitucionalmente possível no Brasil.

No Tribunal de Justiça de Santa Catarina ____ no qual a discussão se iniciou ____ entendeu-se que a cobrança de tarifa como contraprestação do serviço objeto de concessão era admissível e respeitava os dispositivos constitucionais aplicáveis. No entanto, no âmbito do STF, o Ministro Dias Toffoli, mediante decisão monocrática, deu provimento ao Recurso Extraordinário para reconhecer a natureza compulsória da tarifa de limpeza urbana, equiparando a cobrança à natureza de taxa ____ o que, portanto, impõe sua prévia instituição por lei.

Diante da referida decisão, foi interposto Agravo Regimental e a questão foi afetada pelo Plenário como Tema de Repercussão Geral, sob o n.º 903. Em síntese, discutem-se duas teses: 

  1. a possibilidade de delegação, mediante contrato de concessão, do serviço de coleta e remoção de resíduos domiciliares;
  2. a natureza jurídica da remuneração do serviço de coleta e remoção de resíduos domiciliares prestado por concessionária, no que diz respeito à essencialidade e à compulsoriedade do serviço.

Após o juízo de admissibilidade e a delimitação da repercussão geral, o processo recebeu uma série de pedidos de ingresso como amicus curiae por diversas entidades. Atualmente, está concluso com a Ministra Carmen Lúcia, relatora, o julgamento, pelo STF, da constitucionalidade da concessão dos serviços de coleta e destinação de resíduos sólidos e da sua tarifação. Tal medida consolidará, finalmente, um ambiente jurídico-institucional em conformidade com o Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei n.º 14.026/2020), viabilizando uma série de investimentos privados ainda represados diante da incerteza jurídica, quanto à possibilidade de cobrança de tarifas diretamente pelo concessionário do serviço público.  

A remuneração desse serviço por meio de tarifas encontra fundamento expresso no Novo Marco Legal do Saneamento. Em primeiro lugar, o Novo Marco induz a ampliação da utilização do mecanismo concessório. Na nova redação do art. 10 da Lei n.º 11.445/2007, prevê-se que a prestação dos serviços públicos de saneamento básico – entre eles, a coleta a destinação de resíduos sólidos – deve ser realizada por meio de contrato de concessão, mediante prévia licitação.

Ademais, para garantir a sustentabilidade da prestação dos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, a nova redação do art. 29, II da Lei n.º 11.445/2007 prevê a possibilidade de cobrança de tarifas para cada um dos serviços – como, por exemplo, a coleta e a destinação de resíduos. Em complementação ao dispositivo, a nova redação do art. 35 da Lei n.º 11.445/2007 estipula, inclusive, as possíveis bases de cálculo para cobrança da tarifa pela prestação dos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos.

Por fim, também é de se destacar que o Novo Marco atribuiu à Agência Nacional de Águas (ANA), agência reguladora federal, a competência para editar normas de referência para os serviços de saneamento básico. E a primeira norma (Norma de Referência n.º 01) editada pela ANA diz respeito justamente ao regime, à estrutura e aos parâmetros de cobrança e de remuneração pela prestação dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos.

Na Norma de Referência supracitada, destaca-se que, para assegurar a sustentabilidade econômico-financeira desses serviços, deve ser adotado, preferencialmente, o regime de cobrança por meio de tarifa. A normativa estipula uma série de critérios, parâmetros e bases a serem observados para que a sustentabilidade seja efetivamente alcançada, sempre tendo o regime tarifário como base.

Veja-se, portanto, que o arcabouço do Novo Marco Legal do Saneamento cria um ambiente jurídico favorável à ampliação de investimentos em um setor que carece muito de qualidade e de universalização. Dados da Consultoria Radar PPP dão conta de que aproximadamente 18 bilhões de reais de investimentos estão projetados para o setor de resíduos sólidos em outubro de 2023. Tais valores poderão ser exponencialmente majorados com a decisão favorável do STF com a pacificação da questão e com a consequente ampliação do acesso e da qualidade dos serviços de resíduos sólidos.

O Setor, que é o terceiro em concentração de projetos, após água e esgoto e rodovias, apresenta 164 iniciativas de concessão municipais que se encontram atualmente paralisadas. A expectativa é que elas retornem ao status de ativas tão logo o STF decida a questão. Ressalte-se ainda, que 142 projetos se encontram nos diversos estágios de desenvolvimento, sendo 47 com intenção pública anunciada, 54 em fase de modelagem, 24 com a modelagem encerrada, 9 com consulta pública encerrada, 6 com licitação iniciada e 2 com a licitação encerrada. Atualmente, há 52 contratos de parcerias público-privadas (PPP) e de concessão de resíduos sólidos vigentes no Brasil.

Dos dados, denota-se que uma decisão pela inconstitucionalidade do modelo de concessão para a coleta e a destinação de resíduos sólidos pode gerar a descontinuidade de mais de 300 projetos atualmente em andamento no país. Mais: cerca de 50 contratos podem ser encerrados e/ou ter o seu escopo profundamente revisto por uma decisão que impossibilite a delegação contratual dos serviços.

Por estar em consonância com o novo Marco Legal do Saneamento, a expectativa é que o julgamento do STF se dê pela constitucionalidade do modelo. Eventual julgamento em sentido contrário, como demonstrado, contraria toda a tendência institucional de se criar um modelo favorável à ampliação de investimentos privados no setor, além de retardar a onda de ampliação do serviço e da sua universalização ora em curso. Não se espera, portanto, um retrocesso pelo STF.

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