STJ autoriza busca e apreensão em suspeita de fraude em licitação de programa ao combate do COVID-19

Em junho, foram noticiadas investigações em ao menos seis estados por fraudes em licitações no setor de saúde pública
Henrique-Dumsch-Plocharski

Henrique Plocharski

Advogado da área penal empresarial

Compartilhe este conteúdo

Síntese

Decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ sinaliza que investigações por possíveis fraudes em contratações públicas no período da pandemia deverão se intensificar até o final do ano. Superfaturamento de preços, problemas na prestação do serviço ou na qualidade do produto e direcionamento de licitações aparecem como sendo os principais fatos apurados até o momento.

Comentário

A prática de fraudes e crimes envolvendo licitações no Brasil não é recente, ainda mais no setor de saúde pública.

Embora a Lei nº 8.666/1993 tenha apresentado importante avanço no tema das contratações públicas, ao dispor, por exemplo, mais de 10 modalidades delitivas com penas que podem chegar até seis anos de detenção, isso não foi suficiente para extinguir a prática dos ilícitos criminais.

A título de exemplo, é possível relembrar a famosa operação Sanguessuga (também conhecida como Máfia das Ambulâncias), deflagrada em maio de 2006 pela Polícia Federal, onde foi descortinado um complexo esquema, com participação de parlamentares, que manipulava licitações fraudando a concorrência e superfaturando os preços.

É nesse cenário que, em menos de três meses das flexibilizações das contratações públicas ___ em razão da urgência criada pelo avanço da pandemia no País ___ começam a surgir e se desenvolver diversas operações policiais a fim de investigar fraudes nos contratos públicos.

A mais recente e relevante fraude foi amplamente noticiada em 26.05.2020, quando a Polícia Federal cumpriu os mandados oriundos de decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no bojo do inquérito nº 1338 (Pedido de Busca e Apreensão Criminal nº 27), que autorizou pedido de busca e apreensão do Ministério Público Federal.
O objeto, conforme divulgado, foi apurar “possíveis irregularidades na execução do programa estatal de enfrentamento ao COVID-19 (…) onde contratos foram supostamente firmados com valores superiores aos praticados pelo mercado”.

Conforme anunciado pela imprensa uma semana depois, no início de junho, há investigações em andamento sobre possíveis fraudes em contratos de emergência (sem licitação) para compra de equipamentos a serem utilizados no combate à pandemia do novo coronavírus em, ao menos, seis estados.

Do teor dessas informações, é possível inferir que os desvios de verba pública, em resumo, têm sido supostamente promovidos nas seguintes modalidades: (i) superfaturamento dos preços; (ii) descumprimento contratual (não entrega dos aparelhos cominada com a não devolução dos valores recebidos) e (iii) direcionamento das licitações.

Nessa linha, é importante destacar que as investigações podem recair, muitas vezes, também sobre os gestores públicos, ainda que não existam elementos concretos de sua participação direta. Por exemplo, não se exige que o gestor tenha assinado ou participado diretamente do certame, bastando que ele tenha conhecimento das contratações e respectivo comando sobre elas.

Assim, o mero “conhecimento” das contratações, com indicativos de possível ajuste entre o gestor público e a empresa beneficiada, pode autorizar medidas drásticas como quebras de sigilo bancário, fiscal e buscas e apreensões, e, dependendo do caso, até afastamento do cargo ou prisão preventiva.

Isso porque medidas cautelares exigem tão somente prova da materialidade do delito e meros indícios de autoria, não sendo necessária prova cabal da participação.

Logo, inclusive aqueles que participaram da contratação irregular, por exemplo, secretários ou membros da respectiva comissão, podem ser alvo de medidas cautelares, visto que não se exige prova cabal da autoria delitiva.

Igualmente, de outro lado, no caso da empresa, a investigação poderá recair na figura dos sócios e quaisquer outros membros que tenham ingerência na contratação ou possam dela ter participado, ainda que de forma pontual.

Ressalte-se, por cautela, que se trata aqui, especificamente, da abrangência de eventual investigação ou medidas cautelares. Sendo oferecida denúncia, haverá evidente aumento no nível de provas exigido para afirmar uma condenação, na linha do princípio da presunção de inocência.

Ademais, conforme se vislumbra de diversos casos notórios, é possível que tais fraudes sejam acompanhadas do delito de associação criminosa, mediante constatação de que três ou mais pessoas se associaram, permanentemente, para o fim específico de cometer crimes, além de eventual lavagem de dinheiro, dependendo da destinação dos valores, o que pode agravar, em muito, a situação processual.

Em suma, a única alternativa é o recrudescimento da cautela de todos os envolvidos, sendo de extrema importância a adoção de todas as medidas preventivas possíveis para evitar a ocorrência de problemas na contratação e até mesmo, posteriormente, eventual responsabilização, seja administrativa ou criminal.

Gostou do conteúdo?

Cadastre-se no mailing a seguir e receba novos artigos e vídeos sobre o tema

Quero fazer parte do mailing exclusivo

Prometemos preservar seus dados pessoais e não enviar spam
Recomendamos a leitura da nossa Política de Privacidade.