STJ confirma cabimento da teoria da continuidade delitiva para sanção aplicada em contrato administrativo

Primeira Turma do STJ determina a reanálise de sanção aplicada em contrato administrativo sob o enfoque da teoria da continuidade delitiva.
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Silvio Guidi

Advogado egresso

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Diego Gomes do Vale

Advogado egresso

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As sanções aplicáveis às empresas que contratam com a Administração Pública, principalmente as concessionárias de rodovias, têm regime jurídico próprio, notadamente aquele previsto na Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos. No entanto, como essa norma não se direciona especificamente a disciplinar a relação punitiva entre Contratante (Administração) e Contratado (particular), os contratos administrativos costumam ser silentes com relação à possibilidade de reconhecimento da infração continuada, hipótese em que, pelas características do descumprimento contratual, as múltiplas infrações possuem valor monetário de uma, com os acréscimos previstos em lei. Essa lacuna tem levado as concessionárias à judicialização das sanções aplicadas pela Administração Pública contratante.

As infrações continuadas são explicadas no direito pela teoria da continuidade delitiva, a qual tem previsão no artigo 71 do Código Penal. Tal teoria determina que quando há a prática de dois ou mais ilícitos da mesma espécie, mas certas circunstâncias (como tempo e lugar) demonstram que houve a prática de um único ilícito várias vezes, deverá ser considerada, para fins de punição, a aplicação de uma única sanção, com aumento de 1/6 a 2/3 no valor da penalidade.

No caso que chegou ao exame do STJ (Recurso Especial 1.894.400 – SP), a teoria da continuidade delitiva foi utilizada por defesa da concessionária de rodovias, na qual se requereu que o Judiciário reconhecesse que, por haver ocorrido seis infrações idênticas em curto espaço de tempo, o sancionamento dessas infrações deveria obedecer a dinâmica punitiva para infrações continuadas. No entendimento da concessionária, tal fato levaria à diminuição do valor da multa para 1/6 do originalmente aplicado, ainda que a Administração Pública considerasse múltiplas infrações da mesma espécie no processo administrativo.

A ação foi julgada improcedente tanto na primeira como na segunda instância. Entendeu o Tribunal de origem que não poderia ser aplicada a teoria da continuidade delitiva nos contratos administrativos, haja vista ser aplicável somente no contexto de ações penais.

O STJ reverteu a posição do Tribunal de origem, reconhecendo a aplicação da teoria também no ambiente sancionatório dos contratos de concessão. Por isso, devolveu os autos à origem, a bem de que a matéria fática fosse enfrentada à luz da teoria da continuidade delitiva. A decisão, de relatoria da Ministra Regina Helena Costa, foi embasada em entendimento consolidado do STJ (Resp 106688/SP), que reconheceu a possibilidade de aplicação da teoria da continuidade delitiva no âmbito fiscalizatório e punitivo da Administração Pública.

A relevância da decisão do STJ é a ampliação da aplicação da continuidade delitiva no âmbito das sanções administrativas. É que, até então, os precedentes da Corte se referiam a sanções aplicadas quando do exercício do poder de polícia da Administração. A partir dessa decisão, o STJ confirma que a teoria da continuidade delitiva é também aplicável às sanções ocorridas no âmbito de relações administrativo-contratuais.

Este entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça representa um grande avanço para a defesa dos interesses das concessionárias no âmbito do judiciário. Isso, porque a Administração Pública adota o expediente de cumular as supostas infrações administrativas, mas, ao invés de aplicar a teoria da continuidade delitiva, acumula todas as infrações semelhantes dentro do mesmo processo administrativo, mas com a multiplicação do valor monetário das penalidades pelo número de infrações constatadas, o que pode multiplicar por várias vezes as multas aplicadas.

Importante de se notar que a teoria da continuidade delitiva só pode ser aplicada caso as infrações tenham identidade entre elas. É necessário que estejam sendo aplicadas com base no mesmo objeto, no mesmo espaço de tempo, dentro do mesmo contrato de concessão. Encontrada a identidade entre as infrações, pode ser aplicada a continuidade delitiva, o que levará à aplicação do valor monetário de uma penalidade (ainda que múltiplas infrações tenham sido constatadas), com o aumento do valor monetário de um terço a dois sextos.

A aplicação deste entendimento demonstra que, ainda que os contratos administrativos não possuam previsão de aplicação desta teoria, levada a questão ao Judiciário e identificados os requisitos, deve ser reconhecida a infração continuada, o que pode diminuir as multas aplicadas pela Administração Pública.

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