Síntese
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 04 de setembro de 2019, decidiu que motoristas de aplicativo não possuem relação de trabalho com as empresas intermediadoras da tecnologia. Eventuais ações contra as empresas administradoras dessas plataformas de tecnologia devem ser ajuizadas frente à Justiça Comum.
Comentário
Em 04.09.2019, no julgamento do Conflito de Competência nº 164.544/MG, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça entendeu pela competência do Juizado Especial Cível de Poços de Caldas – MG para julgar o processo ajuizado por um motorista de aplicativo que teve sua conta suspensa pela empresa detentora da tecnologia. Com isso, o colegiado concluiu pela inexistência de vínculo empregatício entre o motorista e a empresa detentora da tecnologia.
Nos autos de origem, o motorista reclama perante a Justiça Estadual a reativação de sua conta no aplicativo, suspensa por suposto comportamento irregular e mau uso da plataforma. Em suas considerações, sustenta que a descontinuação da sua conta lhe gerou prejuízos de ordem material, à medida que teria alugado um veículo para realizar as corridas.
Na decisão proferida, o Relator, Ministro Moura Ribeiro, entendeu que os fatos e os fundamentos da ação originária não dizem respeito a uma relação de emprego havida entre as partes, tampouco propagam a intenção do recebimento de verbas trabalhistas. Em verdade, o pedido e a causa de pedir tem como limiar um contrato de natureza eminentemente civil, firmado entre o motorista com a empresa detentora de aplicativo de celular.
Para que se pudesse entender pela existência de um vínculo empregatício, necessariamente deveriam estar presentes na hipótese os pressupostos da pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade. Ausente qualquer desses requisitos, o trabalho se caracteriza como autônomo ou eventual.
Na prática, os intermediadores do aplicativo e os motoristas que dele se utilizam não mantêm uma relação hierárquica, até mesmo porque prestam serviços de modo eventual, sem horários determinados e, inclusive, sem o percebimento de uma remuneração fixa, motivos mais do que suficientes para descaracterizar qualquer vínculo trabalhista entre as partes.
Importante destacar que a atividade desenvolvida por esses motoristas foi reconhecida por ocasião da Lei Federal nº 13.640/2018, que incluiu no artigo 4º da Lei Federal nº12.587/2012 (Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana) o inciso X, assim ementado: “Para os fins desta Lei, considera-se transporte remunerado privado individual de passageiros o serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede”.
O aludido inciso atribuiu caráter privado à atividade, em consonância com o conceito adotado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE para identificar o compartilhamento de bens entre pessoas por meio da informatização, o que se denomina “peer-to-peer platforms” ou, de modo simplificado, mercado entre pares (P2P).
Como bem observou o Ministro Moura Ribeiro em seu voto, o surgimento de novas tecnologias permitiu a criação de uma nova modalidade de interação econômica, o sharing economy ou economia compartilhada. Nesse novo modelo, em que a prestação dos serviços se dá por detentores de veículos automotores particulares e é intermediada por plataformas gerenciados por empresas de tecnologia, aqueles que executam a atividade, ou seja, os motoristas, atuam como empreendedores individuais.
Com base nesses fundamentos e por unanimidade dos votos, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que, ausentes os requisitos indispensáveis à caracterização de um vínculo empregatício e derivando a relação objeto do litígio de um contrato de natureza substancialmente civil, a competência para resolução de conflitos envolvendo plataformas de tecnologia de transporte particular de pessoas e motoristas é da Justiça Estadual.
Apesar de recente, o referido decisum já adquiriu status de paradigma. Muito embora não possua aplicação automática em outros processos, porquanto não proferida sob o sistema de fixação de precedentes, poderá servir de referência em casos semelhantes, especialmente em razão da escassez de decisões nesse sentido.