STJ: desconsideração pode alcançar os fundos de investimento

Decisão do STJ aponta que os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica podem atingir os fundos de investimento.
Guilherme-Guerra

Guilherme Guerra

Head da área de mercado de capitais

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Da equipe de Mercado de Capitais do Vernalha Pereira

Em recente julgamento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica podem também atingir os fundos de investimento. Segundo o colegiado, ainda que fundos de investimento não detenham personalidade jurídica própria, eles são titulares de direitos e obrigações. Ademais, conforme o julgado, há casos que fundos podem ser constituídos com o objetivo de desviar de forma fraudulenta os objetivos de investimento, tanto por pessoas físicas como por pessoas jurídicas.

O caso concreto (Resp. 1965982 – SP – 2021/0219147-9) se refere a pedido de desconsideração de personalidade jurídica envolvendo uma holding suspeita de ocultação de patrimônio e possível fraude a credores. A decisão de primeiro grau desconsiderou a personalidade jurídica da holding e estendeu tais efeitos para o patrimônio de um Fundo de Investimento em Participações (FIP) em que a holding detinha cotas. O juízo entendeu que o FIP integrava o patrimônio da holding, considerando assim que a integralidade das cotas poderiam ser alcançáveis pelos efeitos da desconsideração. A determinação do bloqueio recaiu, desta forma, sobre todo o patrimônio do FIP, incluindo cotas de outro cotista.

O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão do juízo de primeiro grau, rejeitando os Embargos de Terceiro opostos pelo FIP que questionava o bloqueio de cotas e a transferência de ativos. O administrador do FIP sustentou que a desconsideração não poderia atingir fundos de investimento já que tais estruturas não possuem personalidade jurídica própria e são constituídos sob a forma de condomínio fechado. “(…) O FIP jamais desviou ou serviu como veículo para prática de qualquer ato obscuro ou fraudulento. Isso porque, o FIP é um fundo de investimentos em participações e, como tal, tem natureza jurídica condomínio e não de sociedade.”

A decisão de bloqueio e a desconsideração da personalidade jurídica foram mantidas sob o argumento de que, apesar de a holding não ser a única cotista do FIP, haveria ali vínculo empresarial entre os demais cotistas, configurando assim  um grupo econômico.

Ao STJ, o FIP argumentou que não estariam presentes todos os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica, o que, em tese, impediria que bloqueio judicial sobre o todo o patrimônio do FIP fruto da dívida de um só cotista.

O ministro relator, Villas Bôas Cueva, argumentou que, apesar de os fundos serem constituídos sob a forma de condomínio fechado e serem destituído de personalidade jurídica, e exerçam suas atividades por meio de administrador de carteiras, eles são dotados de direitos, deveres e obrigações. “Assim, o fato de ser o FIP constituído sob a forma de condomínio e não possuir personalidade jurídica não é capaz de impedir, por si só, a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em caso de comprovado abuso de direito por desvio de finalidade ou confusão patrimonial“, afirmou.

O relator reconhece ainda que, em tese, os FIPs em geral são sim condomínios pertencentes a todos os investidores, o que impede a responsabilização do fundo pela dívida de um único cotista. “Apenas em tese, repita-se, não poderia a constrição judicial recair sobre o patrimônio comum do fundo de investimento por dívidas de um só cotista, ressalvada a penhora apenas da sua cota-parte“.

Todavia, o relator entendeu que no caso concreto o FIP foi constituído de forma fraudulenta, com o objetivo de encobrir ilegalidades e ocultar patrimônio de outras empresas ligadas ao mesmo grupo econômico do devedor. O relator reforça tal tese ao expor que, no momento da desconsideração inversa da personalidade do devedor, a qual resultou na constrição determinada pelo juízo de primeiro grau, o FIP possuía apenas dois cotistas, sendo ambos integrantes do mesmo grupo econômico: “Isso, portanto, é o quanto basta para se concluir que o ato de constrição judicial, ao contrário do que afirma o recorrente, não atingiu o patrimônio de terceiros, mas apenas de empresas pertencentes ao mesmo conglomerado econômico.

É a primeira vez que o STJ decide sobre hipóteses de bloqueios judiciais sobre cotas ou patrimônio de fundos de investimento fruto de decisão de desconsideração de personalidade jurídica que recai sobre um dos cotistas. Tal fato reforça que, ainda que sejam claras no ordenamento as características condominiais dos fundos de investimento, o patrimônio dos demais cotistas não estão 100% seguros contra atos constritivos do poder judiciário.

No caso dos FIPs é ainda mais relevante o impacto de tal decisão, uma vez que é muito comum FIPs constituídos na classificação entidades de não investimento. Tais fundos são aqueles constituídos por empresas ligadas ou, contabilmente consideradas de interesse único e indissociável, os quais tendem a ter características de holding. Esta decisão do STJ é um relevante indicativo de que o patrimônio de fundos com estas características não está imune a atos judiciais constritivos, incluindo cota parte de terceiros que não os devedores principais.

A área de Mercado de Capitais permanece à disposição para esclarecer sobre este e outros temas de interesse de seus clientes e parceiros institucionais.

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