STF desobriga Estado a fornecer medicamentos de caráter experimental

Em decisão recente, o STF define regras e impõe restrições sobre medicamentos experimentais.
Bruna-Furlanetto-Ferrari

Bruna Furlanetto Ferrari

Advogada da área de contencioso e arbitragem

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Síntese

Em matéria de repercussão geral, o STF decide pela ausência de dever do Estado em fornecer medicamentos experimentais ou não registrados pela ANVISA. Decisão vai de encontro à crescente judicialização da saúde no País.

Comentário

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 657.718, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, com repercussão geral, pela ausência do dever de fornecimento de medicamentos experimentais por parte do Estado.

No caso de fármacos com segurança e eficácia já comprovadas, mas que não possuem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, a concessão mediante decisão judicial será condicionada por critérios objetivos e predeterminados.

Por maioria de votos, em 22.05.2019, o STF entendeu pela vedação absoluta ao fornecimento, pelo Estado, de medicamentos de caráter experimental, ou seja, cuja eficácia não estiver comprovada por testes clínicos e laboratoriais.

Com relação a medicamentos testados e não registrados no País, o fornecimento somente poderá ocorrer caso comprove-se que a ausência de registro decorre apenas de morosidade injustificada da ANVISA. Nestes casos, deverão ser observados os seguintes requisitos: (i) submissão do medicamento ao processo de registro perante a ANVISA; (ii) inexistência de substituto terapêutico fornecido pelo SUS e (iii) registro do medicamento em órgãos de controle renomados no exterior.

A decisão se dá no sentido de frear a crescente judicialização da saúde que vem ocorrendo no Brasil. Segundo voto do Min. Luís Roberto Barroso, a concessão, por meio de decisão judicial, de medicamentos experimentais ou que tiverem registro negado pela ANVISA representa tanto uma ameaça à saúde da população quanto a supressão de poderes entre Judiciário e Executivo. Na visão do Ministro, cujo voto divergente foi acompanhado pela maioria do Plenário, não podem os juízes interferir de forma arbitrária e imprevisível nas decisões tomadas pela ANVISA, autarquia federal com competência técnica para exercer vigilância sanitária sobre medicamentos.

Assim, nas palavras do Min. Barroso, “decisões judiciais que deferem medicamentos não registrados, ao substituírem uma escolha técnica e procedimental da Agência, interferem de forma ilegítima no funcionamento da Administração Pública, em afronta à reserva de administração e à separação de poderes”. Ressaltou, ainda, que muitas vezes a concessão de medicamentos experimentais e não registrados tem sido determinada por decisões extravagantes ou emocionais que condenam a Administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis – seja porque inacessíveis, seja porque destituídos de essencialidade –, bem como de medicamentos experimentais ou de eficácia duvidosa, associados a terapias alternativas.

Acompanhando a divergência, o Min. Alexandre de Moraes apontou para as consequências negativas da judicialização excessiva da saúde, entendendo pela necessidade de sopesamento entre a garantia individual do direito fundamental à saúde e à limitação dos recursos públicos. Isto porque os crescentes gastos do Estado com a concessão judicial de medicamentos, por serem despesas não previstas no orçamento, têm afetado o funcionamento dos serviços e políticas públicas como um todo, inclusive atingindo a própria área da saúde.

Sendo assim, por maioria de votos, o STF decidiu pela desobrigação do Estado em fornecer medicamentos experimentais e sem registro na ANVISA, ressalvadas as já mencionadas exceções. Além disso, devido à competência técnica exclusiva da ANVISA autarquia federal para registro e controle de medicamentos , as ações de fornecimento deverão ser interpostas exclusivamente contra a União e não mais perante Estados ou Municípios.

Ainda que referente ao fornecimento de medicamentos pelo Estado, a decisão do STF representa um passo importante para o combate à judicialização da saúde como um todo. Isto porque, ao determinar a necessidade de sopesar os reflexos econômicos para concessão de medicamentos pelo governo, a decisão afasta a existência de um direito abstrato à saúde suficiente para obtenção da tutela jurisdicional do Estado em qualquer caso.

Ademais, ao apontar para a incapacidade do Judiciário para interferir em questões técnicas impostas pela ANVISA, como o registro e utilização de medicamentos, a decisão do STF poderá pautar a exclusão do dever de fornecimento de medicamentos experimentais, não registrados e off label (utilizados fora das diretrizes da ANVISA) também na esfera privada, por operadoras de planos de saúde.

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