STJ entende que é possível a denunciação da lide para apuração de culpa médica

O STJ aplica o entendimento de que é possível a denunciação da lide pelo hospital para que médicos integrem o polo passivo da ação.
Mariana-Borges-de-Souza

Mariana Borges de Souza

Head da área de healthcare e life sciences

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Síntese

A Terceira Turma do STJ afirma que deve ser admitida, excepcionalmente, a denunciação da lide, sobretudo com o intuito de assegurar o resultado prático da demanda e evitar a indesejável situação de haver decisões contraditórias a respeito do mesmo fato

Comentário

De acordo com o Código de Processo Civil, a denunciação da lide, forma de intervenção de terceiros, é uma das possibilidades existentes no ordenamento jurídico que visa a celeridade processual quando há evidência da responsabilização de terceiro no caso de derrota na ação principal.

Diferente do assegurado no Código de Processo Civil de 1973, atualmente a denunciação da lide não se trata de uma obrigatoriedade, mas de uma possibilidade, razão pela qual em diversas situações o entendimento do Judiciário não é pelo acolhimento do pedido de intervenção de terceiros como, por exemplo, nas relações de consumo.

Embora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entenda que a denunciação da lide em processos de consumo é vedada porque poderia implicar maior dilação probatória ___ gerando a produção de provas talvez inúteis para o deslinde da questão principal, de interesse do consumidor ___, em recente decisão, cujo objeto é suposto erro médico, a Terceira Turma admitiu a denunciação da lide pelo hospital.

Conforme destacado no voto do Recurso Especial nº 1.832.37 – MG, “no que tange à responsabilidade civil dos hospitais, o entendimento vigente nesta Corte é no sentido de que: “(i) as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado (artigo 14, caput, do CDC); (ii) os atos técnicos praticados pelos médicos, sem vínculo de emprego ou subordinação com o hospital, são imputados ao profissional pessoalmente, eximindo-se a entidade hospitalar de qualquer responsabilidade (artigo 14, § 4º, do CDC); e (iii) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta”.

A doutrina e a jurisprudência definem que os hospitais respondem, objetivamente, por danos que decorrem da prestação de serviços auxiliares que estejam relacionados aos exercícios da sua própria atividade e solidariamente ao profissional médico a ele vinculado, por danos que decorrem da atividade médica, desde que caracterizada e comprovada a culpa do médico. Contudo, como também destacado, o hospital não responderá por danos decorrentes do exercício da atividade do médico que com ele não tenha vínculo, hipótese em que a responsabilidade é subjetiva e exclusiva do profissional.

No caso em comento, a parte autora ajuizou ação de responsabilidade civil apenas em desfavor do hospital, sem incluir o médico que prestou atendimento, razão pela qual o nosocômio, em sede de contestação, requereu a denunciação da lide.

Em juízo de primeiro grau, além da rejeição da preliminar de ilegitimidade passiva alegada pelo estabelecimento hospitalar, também foi indeferido o requerimento de formação de litisconsórcio passivo e de denunciação da lide aos médicos que prestaram o atendimento. Em sede de agravo de instrumento, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento e manteve a decisão de primeiro grau.

Ao julgar o Recurso Especial, o STJ entendeu que “da leitura da exordial, infere-se que a recorrida imputa aos hospitais onde foi atendida a responsabilidade por atos praticados pelos médicos que realizaram as cirurgias em suas dependências, hipótese essa em que, segundo a orientação do STJ, se faz necessário perquirir a existência de vínculo entre ambos, bem como a prática de conduta negligente, imperita ou imprudente dos profissionais. Nessa circunstância, portanto, a discussão em torno da culpa do médico não se presta apenas para autorizar eventual exercício do direito de regresso pelo hospital, senão, muito antes disso, para fundamentar a responsabilidade do próprio hospital perante o consumidor, na medida em que, de acordo com o STJ, se trata de condição sine qua non para que responda solidaria e objetivamente pelo apontado dano causado pelo profissional.

Para o Superior Tribunal, em situações excepcionais, como a que se imputa ao hospital a responsabilidade objetiva por suposto ato culposo dos médicos a ele vinculados, deve ser admitida a denunciação da lide, sobretudo com o intuito de assegurar o resultado prático da demanda, a partir do debate acerca da culpa daqueles profissionais, cuja comprovação é exigida para a satisfação da pretensão deduzida pela consumidora. Tal exceção busca evitar a indesejável situação de haver decisões contraditórias a respeito do mesmo fato, na eventualidade, por exemplo, de ser o hospital condenado aqui e não serem os médicos responsabilizados em outra demanda, porque demonstrada lá a ausência de culpa destes.

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