Supremo Tribunal Federal entende como crime o não recolhimento intencional de ICMS

A distinção entre o mero inadimplemento e a prática de conduta criminosa será verificada de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto.
Ana-Luisa-Lopes-Gomes

Ana Luisa Lopes Gomes

Advogada da área de estruturação de negócios

Compartilhe este conteúdo

Síntese

Ministros do STF entendem que a prática de não recolher ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, quando reiterada e realizada de forma dolosa, caracteriza crime de apropriação indébita tributária, punido com detenção de seis meses a dois anos.

Comentário

Considera-se crime de sonegação fiscal deixar de declarar ou declarar valores não condizentes com a realidade, por meio da utilização de informações inverídicas ou da omissão de informações, com o intuito de não pagar ou pagar menos impostos que o realmente devido.

A fim de evitar a fiscalização, algumas empresas adotam a prática de declarar corretamente o recolhimento dos tributos, sem, entretanto, repassá-los ao Fisco.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal – STF proferiu uma decisão polêmica, em que entendeu configurar crime contra a Ordem Tributária a apropriação do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços – ICMS  cobrado pelo contribuinte na qualidade de sujeito passivo da obrigação, ainda que devidamente declarado.  Logo, a hipótese abarca os contribuintes que deixam de recolher o tributo escriturado e declarado, sendo dispensável a comprovação de fraude nas informações.

Desse modo, para caracterização do tipo penal previsto no artigo 2º, inciso II da Lei nº 8.137/90, faz-se necessária a prática de uma conduta dupla, ou seja, primeiro, cobrar o ICMS do consumidor; segundo, não repassar o respectivo valor aos cofres públicos.

No entendimento do STF, a incidência do ICMS aumenta o valor do produto, de modo que o consumidor paga mais caro para que o comerciante repasse o tributo para a Fazenda Estadual. O comerciante, por sua vez, atua como mero depositário do valor, que, depois de devidamente compensado, deve ser repassado ao Fisco,uma vez que não integra o patrimônio do contribuinte.

A decisão provocou um acirrado debate acerca da diferenciação entre crime de apropriação indébita tributária e o mero inadimplemento de obrigação tributária. De modo a solucionar tal impasse, restou consignado que para ser considerado prática criminosa, o não repasse do ICMS aos cofres públicos deve ser uma conduta reiterada do contribuinte.

No mesmo sentido, entendeu-se que o delito não admite a modalidade culposa ( não intencional), sendo que o dolo (intenção de praticar o delito) na conduta do contribuinte deve ser analisado de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto.

Considerando que são inúmeras as razões que podem fazer com que o contribuinte não cumpra com sua obrigação tributária, se ele for capaz de demonstrar que está em situação econômica ruim, à beira da insolvência, o não recolhimento do ICMS poderá ser considerado mero inadimplemento. Por outro lado, se ele se utilizar de tal prática para obter vantagem concorrencial por meio da cobrança de preços predatórios, se o inadimplemento for prática reiterada em sua rotina contábil ou se tem o hábito de criar obstáculos à fiscalização, será reconhecida a apropriação indébita tributária.

Logo, caberá a cada juiz analisar as peculiaridades de cada caso concreto e decidir se houve ou não a intenção do contribuinte de não pagar o ICMS. O que significa dizer que, apesar da decisão do STF, nem sempre o não repasse do valor do ICMS aos cofres públicos se caracterizará crime.

Ainda assim, a decisão proferida abriu um leque de incertezas perante os contribuintes porque não esclareceu os parâmetros temporais objetivos para o requisito da “prática reiterada”, o qual é crucial para a caracterização do delito. Do mesmo modo, não foram fixadas premissas para a análise acerca da existência de dificuldade financeira a justificar a ausência de repasse do tributo, e nem ficou claro como se dará a comprovação de tal dificuldade no âmbito processual.

No entanto, diante do posicionamento do STF sobre o tema, há que se dizer que abriu-se um precedente que deve ser observado por todos os juízes das instâncias inferiores, sendo que nas hipóteses em que reconhecida a prática do crime, a pena prevista é de seis meses a dois anos de detenção, com a possibilidade de suspensão da ação ou da execução penal mediante o pagamento integral da dívida ou pela adesão ao programa de refinanciamento de dívidas (REFIS).

Gostou do conteúdo?

Cadastre-se no mailing a seguir e receba novos artigos e vídeos sobre o tema

Quero fazer parte do mailing exclusivo

Prometemos preservar seus dados pessoais e não enviar spam
Recomendamos a leitura da nossa Política de Privacidade.