Supremo Tribunal Federal mina a força das decisões judiciais e introduz enorme insegurança jurídica

Em julgamento recente, a Corte Suprema feriu gravemente a estabilidade das decisões judiciais, a previsibilidade e a segurança jurídicas.
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Ricardo Kleine

Advogado da área de direito tributário

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Na última quarta-feira, 08 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) esteve reunido para debater e decidir dois temas de repercussão geral que se interconectam:  os de número 881 e 885. O primeiro versava sobre os “limites da coisa julgada em matéria tributária, notadamente diante de julgamento, em controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal, que declara a constitucionalidade de tributo anteriormente considerado inconstitucional, na via do controle incidental, por decisão transitada em julgado”, ao passo que o segundo tinha por núcleo os “efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade sobre a coisa julgada formada nas relações tributárias de trato continuado”. Isto é, ambos temas conexos que visavam examinar até que ponto uma decisão tributária definitiva, irrecorrível e, a princípio, imutável poderia sofrer influência ou, eventualmente, modificação, advindas de uma outra decisão posterior.

Para entender o que aconteceu no julgado, é importante situar qual a questão concreta que se debatia, cujo centro dizia respeito a determinar se uma empresa que tinha decisão favorável ao não recolhimento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL (fundado o não recolhimento na inconstitucionalidade) deveria voltar a fazê-lo após o Supremo Tribunal Federal entender se tal tributo seria constitucional. Por 6 a 5, fixou-se a tese de que sim, a empresa deveria voltar a recolher o tributo, desde que atendidas algumas condições, a saber:

  • A nova decisão que considera o tributo constitucional deve ter sido proferida em sede de ação direta de constitucionalidade ou em sede de repercussão geral;
  • A aplicação é automática, isto é, uma vez proferida a decisão em sede de ação direta de constitucionalidade ou repercussão geral, qualquer julgamento individual em sentido contrário será atingido;
  • Estão a salvo de aplicação automática dos julgamentos em repercussão geral decisões individuais obtidas antes de 3 de maio de 2007, data em que entrou em vigor o regime de repercussão geral;
  • A decisão em sede de ação direta de constitucionalidade ou repercussão geral, para produzir efeitos, deve ser tratada como tributo novo, isto é, deve respeitar a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.

Isto significa que as empresas que obtiveram decisão judicial favorável quanto ao não recolhimento da CSLL, mesmo que já solidificada pela coisa julgada, estão sujeitas a voltar a recolher o tributo, e sequer será necessária qualquer comunicação processual nesse sentido, ou ajuizamento de ação rescisória. Na hipótese da CSLL, o marco inicial de recolhimento se dará pela aplicação da noventena à data de trânsito em julgado da Ação Direta de Constitucionalidade nº 15, que debateu o tema. Isto é, o marco inicial é noventa dias após 12.09.2007.

Mas não apenas a CSLL foi atingida pelo recente julgamento do STF: toda e qualquer decisão judicial tributária favorável ao contribuinte de modo individual pode ser atingida, desde que haja posterior decisão em ação direta de constitucionalidade ou repercussão geral – e nesse último caso, a decisão favorável ao contribuinte, para ser atingida, deverá ser posterior ao marco temporal fixado pelo STF (a entrada em vigor do regime de repercussão geral).

A decisão criou, desse modo, uma insegurança jurídica enorme. Qualquer tributo que tenha sido objeto de ação direta de constitucionalidade favorável à União é assim atingida, independente de quando tenha sido o trânsito em julgado da ADI. De outro lado, no que concerne a decisões favoráveis à União em sede de repercussão geral, igualmente qualquer delas pode ser aplicada, desde que respeitado o corte temporal de setembro de 2007.

Como se vê, a partir do entendimento do Supremo, não há mais qualquer previsibilidade ou segurança nas relações jurídicas tributárias, pois desavisadamente qualquer contribuinte pode ser atingido pelo restauro de alguma cobrança que há muito não era feita porque acobertada pela coisa julgada.

Como um bastião de esperança, entretanto, o contribuinte pode ao menos contar com a prescrição e coisa julgada, que deverão ser avaliadas caso a caso se aplicáveis e de qual forma.

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