TCU estabelece novo paradigma para contratos de locação via modelo “Built to suit”

No entendimento do TCU, o limite imposto na Lei do RDC, que baliza o valor da locação, não se aplica aos contratos com cláusula de reversão de bens
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Pedro Lucena

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

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Síntese

Ainda que pactuadas mediante contraprestações superiores ao limite estabelecido na Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), as locações firmadas com a Administração via modelo “Built to suit” não indicam, de plano, superfaturamento, desde que contratadas com cláusula de reversão de bens, devendo, ainda, restar expressa a motivação que indique os benefícios do negócio jurídico em favor do interesse público.

Comentário

Diferentemente de um contrato de locação comum, o modelo de contratação “Built to suit” (BTS) consagra a popularmente denominada “locação sob encomenda”, caracterizada quando o locador oferece um imóvel viabilizado de acordo com as especificidades requeridas pelo locatário. Nesse sentido, a construção, a reforma, a instalação ou a disponibilidade de bens, por exemplo, é realizada de modo prévio pelo locador, após alinhamento formalizado entre as partes, tendo em vista o atendimento das necessidades específicas do locatário.

Impulsionada na Europa e nos Estados Unidos da América a partir de 1950, no Brasil, a locação “BTS” obteve tipificação legal a partir de 2012, com a inclusão e consequente previsão da modalidade no art. 54-A da “Lei do Inquilinato” (Lei n.º 8.245/1991).

No âmbito do Direito Público, apesar de a modelagem ter sido objeto de experiências prévias, os contratos “Built to suit” ganharam previsão expressa a partir de 2015, com a inclusão do art. 47-A na Lei Federal n.º 12.462/2011 (Lei do RDC).

Ultrapassados quase 10 anos, e diante da consolidação do modelo no meio social, em sessão ocorrida em 11.08.2021, o Tribunal de Contas da União (TCU) proferiu decisão que consolida mais um entendimento paradigmático acerca do tema (Acórdão 1928/2021-Plenário). Trata-se de uma diretriz interpretativa sobre o art. 47-A, §3º da Lei 12.462/2011, que estabelece que “o valor da locação […] não poderá exceder, ao mês, 1% (um por cento) do valor do bem locado”.

Dentre outros assuntos, a controvérsia enfrentada pelo TCU abrangeu a possibilidade de se utilizar percentual superior ao limite firmado na norma supracitada, para os casos em que a contratação “Built to suit” é negociada com cláusula de reversão de bens em favor da Administração.

Após apreciação, restou consolidado o entendimento de que o limite imposto pelo §3º do art. 47-A da Lei 12.462/2011 somente deve incidir sobre as relações jurídicas de “BTS” formalizadas sem previsão de reversão de bens. O entendimento explicitado pela Corte de Contas destacou que não há coerência em limitar o valor da amortização mensal para os casos em que, ao final, o bem será revertido à Administração Pública.

Nos termos indicados pelo precedente, caberá ao ente estatal definir os seus próprios parâmetros de capacidade de pagamento, a partir de critérios econômicos e racionais, estabelecidos à luz de prévio planejamento administrativo.

Do exposto, no caso em que a locação de tipo “BTS” é pactuada com reversão de bens, o acordo firmado em montante superior a 1% (um por cento) ao mês, em razão do valor do bem locado não indica, obrigatoriamente, um cenário de superfaturamento. Ao contrário, poderá revelar apenas uma maior amortização mensal, resultando em uma menor duração da avença e consequente mais rápida reversão de bens em favor do Estado.

Noutras palavras, a definição do percentual decorrerá de um exercício funcional administrativo de competência discricionária, em que a decisão estatal dependerá da realidade existente no caso concreto. Este, aliás, fornecerá inúmeros dados à Administração, como, por exemplo, condições de amortização, custo do capital investido pelo locador e capacidade fiscal para a realização do negócio, de acordo com estimativas de receitas e despesas do ente contratante.

Por conseguinte, o TCU entendeu que, nos contratos de tipo “Built to suit” com cláusula de reversão de bens, a regra é a de não aplicação do limite legal de 1% estabelecido no art. 47-A, §3º da Lei 12.462/2011. A depender de seu planejamento, a Administração poderá decidir por um contrato com maior índice de amortização e, consequentemente, menor duração, desde que, motivadamente, demonstre os benefícios da resolução em favor do interesse público.

Ao fim e ao cabo, certo é que a jurisprudência firmada pelo TCU (Acórdão n.º 1.928/2021-Plenário) se apresenta como parâmetro de grande valia. Principalmente diante das novas perspectivas que se apresentarão diante da Lei Federal n.º 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações), que na esteira dos seus arts. 51 e 89 viabilizará as locações por parte da Administração a partir da modelagem “BTS”.

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