TCU recomenda regulamentação do processo de devolução de trechos ferroviários concedidos

Prorrogações antecipadas dos contratos de concessão ferroviários devem causar aumento nos pedidos de devolução de trechos ociosos.
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Rick Daniel Pianaro da Silva

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

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Síntese

Diante da perspectiva de um grande volume de devolução de trechos das ferrovias concedidas no Brasil na década de 1990, o Tribunal de Contas da União, analisando as normativas existentes sobre a temática, avaliou o processo para a cisão das malhas e devolução parcial ao poder concedente. O Tribunal vislumbrou fragilidades no processo e expediu, por meio do Acórdão n.º 1667/2022 do Plenário, uma série de recomendações aos órgãos responsáveis.

Comentário

Com a aproximação do final do prazo das concessões ferroviárias licitadas no Brasil na década de 1990, a devolução de trechos ociosos ou subutilizados da malha ao poder concedente deve ser objeto de atenção, sobretudo diante da possibilidade de prorrogação antecipada destes contratos. Tal precaução se justifica pelo fato de que a ausência de manutenção adequada dos trechos ociosos pelas concessionárias pode caracterizar inadimplemento contratual, prejudicando o processo de prorrogação antecipada dessas concessões.

A relevância do processo de devolução para o setor pode ser demonstrada por meio de números. Dados colhidos em 2020, pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), apontam que 75,8% da malha da Ferrovia Centro-Atlântica e 77, 1% da Malha Sul operam abaixo da capacidade instalada. Isso pode ocorrer em razão de gargalos que impedem o escoamento das cargas ou do desinteresse da concessionária em utilizar trechos pouco atrativos economicamente, por exemplo.

Assim, diante da perspectiva de aumento do volume de devolução de trechos em razão da possibilidade de prorrogação antecipada dos contratos de concessão, o Tribunal de Contas da União (TCU) instaurou auditoria operacional para avaliar “o processo de devolução de trechos ferroviários concedidos”, a fim de analisar a qualidade regulatória e apontar eventuais impropriedades no procedimento a ser realizado para tal fim. Duas perguntas guiaram a auditoria do TCU: i. “há definição de competências e procedimentos para orientar a devolução de trechos ferroviários, com previsão de todas as etapas necessárias à sua realização?” e ii.há fragilidades relevantes no processo de devolução de trechos ferroviários?”.

Para o TCU, a cisão das malhas, com a devolução de trechos, é medida fundamental tanto para evitar a deterioração das vias, quanto para garantir sua exploração econômica mediante novas possibilidades, como a utilização da ferrovia por outros agentes, a criação de shortlines, o transporte de passageiros, ou mesmo sua desativação, com o uso da faixa de domínio para outras destinações.

Contudo, a principal constatação da auditoria do acórdão n.º 1667/2022 do Plenário do Tribunal de Contas da União diz respeito à inexistência de regulamentação estruturada e completa para o processo de devolução de trechos.

Acerca da questão, é preciso destacar que o tratamento do tema foi incluído na agenda regulatória da ANTT nos biênios de 2011-2012 e 2013-2014, tendo sido retirado de pauta sem a aprovação de norma regulatória. Na agenda 2021-2022, também não há previsão de regulamentação dessa temática na agenda da referida Agência. Apesar disso, é possível afirmar que já havia um reconhecimento da própria ANTT _ entidade responsável pela regulação e fiscalização das concessões ferroviárias federais _ quanto à necessidade de complementação ou adequação do regramento do processo de devolução.

O Tribunal, ao analisar o sistema normativo que regulamenta a devolução de trechos de ferrovias, constatou que antes da edição da Lei n.º 14.273/21 (novo marco legal do setor), apenas atos infralegais tratavam do tema, a exemplo do Decreto n.º 1.832/96, da Resolução ANTT n.º 5.945/21, do Acordo de Cooperação Técnica firmado entre a ANTT e o DNIT, e a Instrução Normativa
DNIT n.º 31/2020.

Embora o Novo Marco Legal do Transporte Ferroviário disponha acerca da desativação e da devolução de trechos em seu art. 15, não estabelece um conjunto de procedimentos que especifique etapas e atores envolvidos, nem suas respectivas funções. Por este motivo, o TCU recomendou aos órgãos envolvidos a edição de norma regulatória completa que estabeleça previsões endereçando as fragilidades e pontos de melhorias identificadas.

Neste sentido, destaca-se que a duração do processo de devolução foi objeto de atenção do TCU, que recomendou que a norma preveja prazos máximos para as etapas do processo, a fim de garantir a celeridade no procedimento.

Merece destaque, também, a recomendação do TCU para que o processo envolva o Ministério da Infraestrutura _ na qualidade de órgão que formula e coordena políticas públicas de transporte, inclusive de integração do modal ferroviário com os demais modais de transporte _, bem como para que o valor das indenizações seja definido antes da formalização da devolução do trecho ferroviário, a fim de garantir previsibilidade ao processo, assegurar a operacionalidade da via e evitar prejuízos ao erário.

Em síntese, o Acórdão n.º 1776/2022 contribui para que as devoluções de trechos ferroviários que devem ocorrer sejam realizadas de maneira mais célere e segura, contribuindo para a melhoria do ambiente regulatório do setor.

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