Da equipe de Contencioso e Arbitragem do Vernalha Pereira
Há no país uma infinidade de ações judiciais com o objetivo de anular sanções administrativas (não tributárias) aplicadas pelo Estado em desfavor do privado. Prática comum nessas ações é o pedido antecipatório de suspensão dos efeitos dessas sanções, especialmente para evitar a formação do título executivo (certidão de dívida ativa) e a inscrição no cadastro de inadimplentes (CADIN). Para além dos argumentos de perigo da demora e de verossimilhança, é prática comum a contratação de seguro-garantia ou de fiança bancária, a serem ofertados ao juízo como elemento isoladamente suficiente a garantir a suspensão da exigibilidade de débitos de natureza não tributária.
A oferta dessa garantia tem fundamento em uma lógica de que a esses débitos fiscais, por não serem de natureza tributária, não se aplica o disposto no artigo 151, inciso II, do Código Tributário Nacional (CTN), pelo qual a suspensão da exigibilidade do crédito só vem a ocorrer mediante depósito integral e em dinheiro do valor da dívida. Essa premissa tem dividido os tribunais e, em razão disso, a Primeira Seção do STJ afetou, em 30/06/2023, os recursos especiais nº 2.037.317/RJ, 2.007.865/SP, 2.037.787/RJ e 2.050.751/RJ como paradigmas da controvérsia repetitiva descrita no Tema 1203, que submete a julgamento a seguinte questão (delimitação da tese representativa da controvérsia): “definir se a oferta de seguro-garantia ou de fiança bancária tem o condão de suspender a exigibilidade de crédito não tributário”.
Consequência da afetação foi a suspensão da tramitação dos processos que que versem sobre a mesma matéria e tramitem em todo o território nacional (art. 1.037, II, do CPC). Logo, a suspensão das ações anulatórias de débito fiscal não tributário que contenham pedido de tutela de urgência para suspensão da exigibilidade, mediante apresentação de apólice de seguro-garantia judicial ou fiança bancária, está em vias de ocorrer. Tal suspensão perdurará até a publicação da decisão colegiada sobre o tema, o que, na prática, pode demorar anos.
Para os processos em que houve deferimento da tutela, a suspensão da exigibilidade seguirá vigendo; isso é certo. Mas essa regra não vale para os processos no quais a tutela ainda não foi analisada. Há, inclusive, alta probabilidade de a apreciação do pedido de antecipação da tutela sequer ocorrer enquanto viger a determinação do STJ de suspensão de tramitação. Isso não significa que o juízo não possa compreender a urgência do pedido e, antes de suspender a tramitação do processo, vir a conceder a medida antecipatória requerida pelo autor da ação.
Seguindo o mesmo raciocínio, é legítimo o ajuizamento de novas ações, acompanhadas de pedidos de antecipação de tutela. A oferta de seguro-garantia ou fiança segue sendo possível. Ademais, a legislação credencia a apresentação de outras modalidades de garantias, como bens, títulos de dívida, direitos e ações. Não se pode ignorar, para além disso, que a suspensão da exigibilidade do crédito pode derivar exclusivamente da análise do risco ao resultado útil do processo e da verossimilhança das alegações.
Além disso, na hipótese de insucesso do pedido de antecipação, há a possibilidade de antecipar, em tutela autônoma, a apresentação de garantias à futura e incerta execução fiscal a ser promovida pelo credor público. Essa medida viabiliza a emissão de certidão positiva com efeitos de negativa (relativa à dívida ativa) e, somada à ação anulatória, a suspensão da inscrição no CADIN Federal (nos termos do artigo 7º, incisos I e II, da Lei nº 10.522/2002). A suspensão em CADINs estaduais, municipais e distritais dependerá do conteúdo normativo das leis de cada um desses entes federativos subnacionais.
A área de Contencioso e Arbitragem permanece à disposição para esclarecer sobre este e outros temas de interesse de seus clientes e parceiros institucionais.