TJSP afasta pagamento de dívida de internação pela Fazenda

TJSP determina que não compete à Fazenda arcar com as despesas de internação por Covid-19, eis que não existem indícios de falha na condução da crise.
Diego-Gomes-do-Vale

Diego Gomes do Vale

Advogado egresso

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Síntese

Após julgamento de recurso de apelação, TJSP manteve sentença de primeira instância que afastou a responsabilidade da Fazenda de arcar com os custos de internação por Covid-19 diante da inexistência de indícios de falha na condução da crise.

Comentário

Inegável que a pandemia da Covid-19 trouxe grandes mazelas e que as altas taxas de contágio levaram à superlotação dos leitos das unidades hospitalares da rede pública de saúde, cujas limitações deixou parte da população exposta à espera de leitos de UTI disponíveis para tratamento adequado. Como proceder nestes casos, em vista da urgência de atendimento a tempo de salvar vidas?

Foi exatamente no auge desse panorama pandêmico que se registrou o expressivo aumento da utilização dos serviços privados de saúde e posterior pedido, no Judiciário, para que a Fazenda Pública efetue o ressarcimento pelos serviços prestados pelas instituições privadas de saúde. Tal medida é legítima, desde que esteja configurado um requisito essencial: a ausência de medidas concretas adotadas pelo governo no sentido de frear a contaminação. Este requisito precisa estar presente para que a Fazenda Pública seja obrigada a arcar com os custos da internação na rede particular.

Foi assim que decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP, ao confirmar sentença de primeiro grau proferida pela 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo. O processo em questão tratou-se de ação indenizatória proposta pela filha de uma paciente que, após consulta em hospital particular precisou internar sua genitora, o que de fato aconteceu no hospital particular. Após o óbito da paciente, que não possuía plano de saúde, o hospital realizou a cobrança das despesas médicas contratadas quando da internação. Irresignada com a cobrança, eis que alegou ter tentado obter uma vaga em hospital público e não conseguiu por falta de vagas, distribuiu ação com o intuito de que fosse ressarcida pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo, e indenizada por danos morais.

Processado o feito no primeiro grau, foi proferida sentença que julgou improcedentes os pedidos, com a fundamentação de que não haveria nos autos qualquer vício hábil a macular a exigibilidade do contrato de internação firmado com o hospital particular. Quanto à inexistência de vagas no hospital público, o juiz sentenciante aplicou a teoria da reserva do possível em favor dos entes públicos pois, como amplamente divulgado pela mídia, a pandemia de Covid-19 gerou grave crise no sistema de saúde, com alta exponencial na ocupação de leitos de UTI em nível federal. Seguindo adiante, o juiz determinou que não houve negativa de atendimento por parte do ente público, mas que a demora na disponibilização da vaga de UTI se deu por conta da pandemia que se instalou.

Interposto recurso de apelação, a 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal do Estado de São Paulo entendeu por negar provimento ao recurso em votação unânime. O primeiro ponto trazido pela Câmara foi quanto ao vício de consentimento na celebração do contrato de prestação de serviços com o hospital particular. Entenderam os desembargadores que, embora a apelante estivesse sob forte emoção, é consciente a opção de celebrar contrato que lhe trará sacrifício patrimonial na tentativa de salvar a vida do ente querido.

Com relação ao dever do Estado de arcar com as despesas hospitalares do estabelecimento particular, entenderam os desembargadores, por unanimidade, que a eventual responsabilização do Estado depende da aferição caso a caso. Para o caso dos autos, determinaram os desembargadores que a verificação de negligência na disponibilização de leito para internação deve ser feita considerando o contexto da emergência sanitária provocada pela pandemia do novo coronavírus, situação excepcional responsável pela decretação de estado de calamidade que, em seus momentos mais agudos, praticamente inviabilizou o cumprimento do dever estatal de assistência à saúde de toda a população. Mais que isso, entenderam os desembargadores que não existem indícios de que o Estado de São Paulo tenha falhado na condução da crise sanitária que possa responsabilizá-lo pelas despesas hospitalares.

Portanto, o que se vê com a decisão em ambas as instâncias do tribunal bandeirante é que, sim, há a possibilidade que o Estado seja obrigado a arcar com as despesas hospitalares de estabelecimentos particulares. De todo modo, para que possa ser obrigado a arcar com estas despesas, deve ser comprovada a omissão do Poder Público em disponibilizar o atendimento hospitalar público, o que não restou demonstrado segundo o entendimento do tribunal de São Paulo.

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