Eventos como a Primeira e a Segunda Guerra Mundiais, a Gripe Espanhola, a Crise de 1929, bem como outros tantos de tal proporção têm alterado profundamente a ordem mundial, desencadeando significativas mudanças sociais e econômicas cuja “normalidade” se dá em um contexto muito diferente, especialmente, no mundo empresarial.
Durante as crises, muitas empresas desaparecem, outras sofrem radicais transformações, algumas crescem e novas aparecem. Surgem alterações no cadastro de consumidores e de fornecedores, assim como na relação de concorrentes, são adotadas inovações em produtos, processos e negócios, leis são criadas e novas políticas públicas são implementadas de forma a criar um novo ambiente de ameaças e oportunidades no mercado.
Atualmente, o mundo enfrenta a pandemia do Covid-19 que, apesar de recente, já provoca significativos impactos sociais e econômicos cuja extensão ainda não é possível prever. A título ilustrativo, de acordo com um recente estudo do Fórum Econômico Mundial, a pandemia do Covid-19 pode se assemelhar, e muito, aos impactos da Gripe Espanhola ocorrida no início do século passado.
Em curto prazo, a Gripe Espanhola repercutiu negativamente na atividade econômica, ocasionando desemprego e perda de renda, tanto na Europa e como nos Estados Unidos. Há que considerar, contudo, que a economia europeia já tinha sido afetada pela Primeira Grande Guerra, de modo que os efeitos das duas crises se confundem.
Mesmo assim, com poucos dados da época, estima-se que a Gripe Espanhola tenha ocasionado uma redução de 6% no PIB mundial e da ordem de 8% no consumo. Pelos dados apresentados no estudo, a Gripe Espanhola teria sido o quarto evento com maior impacto econômico negativo desde 1870.
Infelizmente, é possível que a pandemia Covid-19, a exemplo da Gripe Espanhola, também venha a causar muitos impactos negativos na economia. Segundo Gourinchas (2020), além do desafio de “achatar a curva” do contágio, a sociedade também enfrenta a desaceleração da atividade econômica e suas consequências. Ele destaca que, ironicamente, o isolamento social tem externalidades negativas nas atividades econômicas.
De qualquer forma, ainda é difícil prever se os efeitos econômicos serão temporários ou permanentes. Em comparação com a Gripe Espanhola, a atual pandemia do Covid-19 se insere em um ambiente tecnológico muito mais avançado daquele de cerca de um século atrás. Hoje a sociedade dispõe de meios de comunicação, centros de pesquisa e infraestrutura que, entre outros fatores, possibilitam decisões mais rápidas e com mais subsídios.
Ironicamente, esse mesmo aparato tecnológico ____ “bombardeando” a sociedade de dados, informações e teorias, além das diferentes abordagens políticas e ideológicas ____ intensifica a dinâmica dos riscos e das incertezas quanto ao presente e ao futuro das várias dimensões da sociedade moderna. Considere-se, ainda, o fato de a sociedade ser muito mais globalizada e interconectada atualmente; ou seja, as relações são muito mais interdependentes e medidas locais possuem impactos globais muito maiores do que no passado.
Uma dimensão impactada pela atual pandemia é a dos contratos e relações jurídicas e também, por que não destacar, a dinâmica de alterações recentes no aparato legal e jurisprudencial. É inquestionável o caráter de excepcionalidade e imprevisibilidade da situação, que tem gerado uma desproporcionalidade repentina nas obrigações e prestações estabelecidas em determinados contratos, criando vantagens e/ou desvantagens excessivas às partes.
Também se observa a falta de uniformidade nas recentes políticas públicas adotadas pelos entes federados, bem como no esforço legislativo em construir novas soluções para a situação atual, gerando impactos nas atividades empresariais. O ambiente, certamente é de insegurança, tanto econômica quanto jurídica.
Tome-se, por exemplo, a situação de um lojista que se vê impedido de realizar a sua atividade fim em decorrência das restrições impostas pelo Poder Público. São inúmeras as possibilidades de abordagem da problemática, pois as consequências podem ser maiores do que o problema financeiro e de inadimplemento de eventual contrato de aluguel do estabelecimento comercial.
Além dos efeitos imediatos e daqueles futuros sob a perspectiva jurídica, também é importante refletir sobre as transformações que se farão necessárias nos modelos dos negócios, lembrando que nem todas serão exequíveis técnica e economicamente.
A impossibilidade de manutenção da atividade comercial em lojas, centros comerciais, shoppings centers e estabelecimentos congêneres já causa, em curto prazo, uma modificação nos padrões de consumo e no perfil dos consumidores. Em médio e longo prazo, não será diferente. A tendência é que o mercado não volte a ser como era antes.
Muitos consumidores que hoje têm receios em realizar compras pela internet estão sendo obrigados a fazê-lo como meio de assegurar o distanciamento social e evitar a disseminação do coronavírus.
No entanto, com a prática, podem se acostumar aos benefícios do e-commerce e o volume de vendas das lojas físicas, mesmo após a crise, poderá reduzir em razão de tal alteração no comportamento do consumidor. Se antes da pandemia a preocupação com o crescimento do e-commerce em detrimento do modelo clássico já existia, agora, se intensifica.
Diante desse novo panorama, os empresários serão desafiados diariamente a ser mais inovadores e sensíveis às novas exigências do mercado a fim de garantir a sua “sobrevivência” e diminuir seus riscos no mundo dos negócios.
Para isso, também deverão proceder à avaliação de tendências, riscos e oportunidades nas dimensões mais relevantes para seus negócios. Nesse sentido, deve ser destacada a necessidade de maior e permanente atenção à dimensão legal-regulatória-jurídica, a qual pode contribuir com a sobrevivência nesse momento de crise mas, em especial, com o sucesso da atividade empresarial no futuro.