Três exceções à regra da autonomia patrimonial, de acordo com decisões do STJ

Decisões do STJ estabelecem hipóteses em que as dívidas tributárias de uma empresa podem ser cobradas diretamente de seus sócios e gestores.
Bruno-Herzmann-Cardoso

Bruno Herzmann Cardoso

Advogado egresso

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Síntese

Embora a autonomia patrimonial seja a regra para as sociedades empresárias, a jurisprudência do STJ apresenta algumas hipóteses nas quais os tributos devidos pela sociedade podem ser executados diretamente contra seus sócios e gestores, mesmo os que não estavam no quadro social na data do fato gerador.

Comentário

Um dos conceitos mais fundamentais do direito empresarial é a noção de autonomia patrimonial. Trata-se da ideia de que todo sujeito de Direito, pessoa física ou jurídica, é apto a ser titular de um patrimônio próprio, autônomo e separado de todos os outros. Nas sociedades comerciais, é esta ferramenta jurídica que permite criar um patrimônio da empresa separado dos sócios; a sociedade responde sozinha por suas dívidas até o limite do seu patrimônio e, caso não seja o suficiente, pode valer-se dos institutos da recuperação empresarial e da falência.

Contudo, os limites desta autonomia, que parecem muito bem definidos na legislação, contêm diversas zonas cinzentas nas quais, a depender do caso concreto, as dívidas da sociedade podem ser cobradas diretamente contra seus sócios. Essas controvérsias são ainda mais relevantes quando se tratam de dívidas tributárias, que seguem tratamento jurídico próprio. Assim, é importante que o planejamento societário leve em conta estas exceções jurisprudenciais, especialmente nos cenários apontados na sequência.

Aquisição de empresa em funcionamento – Quando alguém adquire um negócio e continua a explorá-lo no mesmo local, ainda que mude a decoração e troque a razão social, entende-se que ocorre a sucessão empresarial, uma hipótese que autoriza a cobrança das dívidas tributárias anteriores diretamente do adquirente. Nestes casos, a jurisprudência não exige uma forma ou ato específico para comprovar a ocorrência de sucessão; basta que, no caso concreto, sejam apresentados elementos que indiquem que houve o prosseguimento da exploração da mesma atividade econômica, no mesmo endereço e com o mesmo objeto social, para responsabilizar o adquirente por todos os débitos tributários anteriores à aquisição (REsp 1.837.435/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 10.05.2022).

Essa constatação reforça a importância de realização de due diligence prévia nas operações de compra e venda de empresas, bem como da inclusão de cláusulas expressas e claras acerca da divisão de responsabilidade por passivos no contrato de aquisição.

Baixa da empresa – A dissolução regular da empresa ocorre primeiro com a sua liquidação, pagamento de todos os credores e a distribuição da eventual sobra do patrimônio entre os sócios. Contudo, se a empresa responder por débitos tributários e for dissolvida irregularmente, tal fato, por si só, já basta para justificar o redirecionamento das execuções fiscais da sociedade contra o sócio administrador à época da dissolução. E, para que a dissolução de uma empresa seja considerada irregular, basta que deixe de operar ou mude de endereço sem comunicar à administração pública, uma vez que é considerada obrigação do gestor manter todos os cadastros públicos atualizados (REsp 1.371.128, rel. Min. Mauro Cambell Marques, j. em 10.09.2014).

Nestes casos, o STJ entende que o redirecionamento da execução só pode atingir o sócio que detinha poderes de administração da empresa na data do encerramento irregular, independente da data do fato gerador do tributo em si. Assim, não pode ser atingido pelo redirecionamento o sócio que participava da sociedade na data do débito tributário, mas que se retirou antes da dissolução irregular (REsp 1.377.019/SP, rel. Minª Assusete Magalhães, j. em 24.11.2021).

O posicionamento do STJ aponta para a necessidade de cuidados adicionais na hora de encerrar as atividades e fazer a baixa de uma empresa, sob pena de o problema voltar à tona anos depois em razão de dívidas tributárias que não estavam no radar dos sócios no momento da dissolução. Além disso, o sócio que se retira de uma sociedade empresária deve assegurar que sua saída foi devidamente registrada e formalizada perante a Junta Comercial e demais órgãos cadastrais.

Grupo econômico de fato – Nos casos em que uma empresa é executada por uma dívida e fica comprovado que seus sócios praticaram fraude, ou desvio de finalidade, ou que confundiram seu patrimônio pessoal com o da sociedade, por exemplo, o juiz pode determinar a desconsideração da personalidade jurídica e passar a executar a dívida diretamente contra os sócios. Em tese, tal medida ocorre dentro de um processo de execução, e depende da prévia instauração de um procedimento específico (chamado de “incidente”), para que primeiro seja comprovada a justificativa da desconsideração e, depois do devido processo legal, seja então autorizada a inclusão dos sócios no polo passivo da ação.

Contudo, em se tratando de dívidas tributárias, o entendimento do STJ permite ao julgador determinar a medida diretamente, sem a necessidade de instauração do incidente separado, nos casos em que for comprovada a existência de grupo econômico de fato, ou seja, um conjunto de empresas que age sob a influência de uma só sociedade, com confusão patrimonial entre si (Recurso Especial n.º 1.786.311/PR, rel. Min. Francisco Falcão, j. em 09.05.2019). A configuração destes grupos é especialmente comum em relação a grupos de empresas familiares, e requer atenção redobrada na contabilidade para não arriscar a inclusão de todas as empresas na execução.

Essas exceções jurisprudenciais ressaltam a importância do planejamento societário e do gerenciamento de riscos nas operações empresariais. A realização de due diligence detalhada, a inclusão de cláusulas contratuais específicas e a atenção aos requisitos legais para o encerramento das atividades são apenas algumas das medidas para mitigar os riscos associados à responsabilidade por dívidas tributárias e proteger o patrimônio dos sócios.

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