Um novo regime jurídico da Improbidade? Análise sobre alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021

No último dia 25 de outubro, foi publicada a Lei n˚ 14.230/2021, trazendo importantes alterações na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n˚ 8.429/1992). Abaixo apresentamos algumas das suas principais modificações.
Thiago-Lima-Breus

Thiago Lima Breus

Head da área de infraestrutura e regulatório

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Da equipe de direito administrativo do Vernalha Pereira

A indispensabilidade da comprovação do dolo

Antes, a Lei considerava improbidade administrativa “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que cause lesão ao erário, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres”.

Agora, o texto traz a seguinte redação: “o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa“. 

Assim, uma das principais alterações reside na necessidade de comprovação de dolo do agente, ou seja, a demonstração da sua intenção em cometer uma ilegalidade.

Trata-se de alteração que incorpora o entendimento que se consolidou na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a discussão entre dolo e culpa.

Ao se fixar a constatação que a improbidade refere à atos praticados de má-fé pelo gestor público, o novo texto suprime a modalidade culposa. Isso porque ações, ainda que negligentes, imprudentes ou imperitas, não são ímprobas, por lhe faltar “desonestidade”, elemento necessário e intencional para caracterizar o ato de improbidade. Vale pontuar que, para o servidor público, a culpa não dolosa ainda enseja responsabilização administrativa nos termos da Lei 8.112/1990, que regula a atividade do servidor público federal.

A supressão da culpa traz modificações relevantes em diversos âmbitos da Administração Pública. No caso de licitações, as fraudes em licitações ou processos seletivos com entidades sem fins lucrativos exigem demonstração de perda patrimonial efetiva. Tratando-se de celebração, fiscalização e/ou análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela Administração Pública com entidades privadas, passa a sernecessária a configuração de ilícito para a configuração da prática do ato.

No que tange aconcessão, aplicação ou manutenção indevida de benefício financeiro ou tributário, é preciso também a comprovação do dolo do agente e perda patrimonial efetiva.

Alterações relevantes em relação às entidades privadas

Como já é de conhecimento comum, emboraa lei vise, preambularmente, ao exercício profissional dos agentes públicos, as entidades privadas também estão sujeitas à sua aplicação. O enquadramento em ato de improbidade segue também a lógica da necessidade de demonstração de dolo.

Desta forma, a responsabilização de terceiros está condicionada à efetiva influência dolosa na prática ilícita, afastando a responsabilidade daqueles que não participaram do ato tido como ímprobo.

Sócios, cotistas, diretores e colaboradores de pessoas jurídicas de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver a comprovação da efetiva participação e a obtenção de benefícios diretos.

Por outro lado, é cabível a ação contra entidades privadas no caso de recebimento de recursos públicos. De qualquer maneira, para a responsabilização da pessoa jurídica, deverá ser levado em consideração os efeitos econômicos e sociais das sanções, de modo a viabilizar a manutenção das atividades. Além disso, todas as sanções serão executadas apenas após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

No caso de indisponibilidade provisória de bens (por meio de liminar) do acusado, o bloqueio deve ser feito de modo prioritário nos bens de menor liquidez, como carros e imóveis, evitando-se bloqueio direto de contas bancárias.

Acréscimos levados a efeito pela Lei nº 14.230/2021.

O texto acrescentou e tipificou o nepotismo, incluindo nomeações recíprocas, assim como a prática de publicidade para promover agentes públicos. Passa a ser considerado ato de improbidade a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau.

A mera nomeação para indicação política pelos detentores de mandatos eletivos não configura improbidade, sendo necessária a demonstração do dolo do agente.

Ainda, o emprego de recurso público para personalização de atos, programas, serviços ou campanhas de órgãos públicos passa a ser improbidade quando comprovado o intuito de obter benefício para si ou terceiros.

Finalmente, a lei não se aplica aos partidos políticos, que devem ser investigados – em razão do seu regime jurídico próprio, na forma estipulada por Lei específica, a Lei 9.096/1995.

Acordo de não persecução penal

Outra questão relevante reside na possibilidade de o Ministério Público firmar acordo de não-persecução penal, isto é, deixa-se de processar na esfera criminal o ato investigado.

Para tanto, devem ser cumpridos os seguintes requisitos: i) ressarcimento integral do dano, que seja revertido à pessoa jurídica lesada; ii) o ente federativo lesado deve ser ouvido; iii) o acordo deve ser homologado judicialmente, independentemente de ocorrer antes ou após o ajuizamento da ação de improbidade.

Ainda, deve ser levado em consideração na celebração do acordo: i) a personalidade do agente; ii) as circunstâncias, natureza, gravidade e repercussão social do ato ímprobo e; iii) as vantagens para o interesse público da solução do caso.

O acordo pode ser firmado durante as investigações, no curso da ação de improbidade e mesmo após a execução da sentença condenatória desta.

Sanções

São quatro as sanções decorrentes da prática de atos de improbidade: a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal competente.

No caso de enriquecimento ilícito, as sanções de suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais podem chegar a 14 anos de pena. A multa passa a ser o equivalente ao acréscimo patrimonial.

Tratando de Prejuízo ao erário, as sanções de suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratação com o poder público podem chegar até 12 anos. A multa pode ser aplicada no montante equivalente ao valor desviado.

Finalmente, no caso de violação aos princípios da administração pública, exige-se dano relevante para incorrer em sanção. Não há suspensão dos direitos políticos, mas há proibição de contratar com o Poder Público por até 4 anos. Já a multa aplicada pode ser 24 vezes o valor do salário do agente.

A Perda da função pública passa a ser aplicável nos casos de enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário, e atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época em que foi cometida a infração.        

Finalmente, a absolvição em ação criminal que discute os mesmos fatos, sendo confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação por improbidade.

Acompanhe nossas redes para mais informações e detalhes sobre as alterações da nova lei.

A área de direito administrativo permanece à disposição para esclarecer sobre este e outros temas de interesse de seus clientes e parceiros institucionais.

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