Usucapião de área contígua à rodovia: é possível?

A resposta é positiva, mas o possuidor deve observar a limitação administrativa que proíbe a edificação nestes locais.
Thaina-Oliveira

Thaina de Oliveira

Advogada da área de contencioso e arbitragem

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Síntese

Para o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, nada impede que a propriedade das áreas confrontantes às rodovias estaduais seja adquirida pelo exercício duradouro da posse, na medida em que essas zonas não se tratam de bens públicos. Entretanto, nestes casos, o direito à propriedade encontra limitação administrativa, sendo vedada a edificação em até 15 (quinze) metros da faixa de domínio, nos termos da Lei Federal n. 6.766/79.

Comentário

Nos últimos anos, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná passou a reconhecer a possibilidade de aquisição das áreas confrontantes às rodovias estaduais, por meio de ação de usucapião, através da comprovação do exercício regular e duradouro da posse pelo particular.

Tomando como exemplo, mencionamos o recurso de apelação n. 0002814-72.2008.8.16.0037, de relatoria do Desembargador Marcelo Gobbo Dalla Dea, integrante da 18ª Câmara Cível, cujo acórdão transitou em julgado ao final do ano de 2021, reconhecendo no plano concreto a usucapião de área lindeira à BR 116 (Rodovia Régis Bittencourt).

Inicialmente, é importante esclarecer que as faixas de domínio das rodovias estaduais pertencem ao Estado. Por esse motivo, são consideradas bens públicos de uso comum do povo, nos termos do artigo 99, do Código Civil em vigor.

Por faixa de domínio da rodovia, compreendem-se todas as áreas onde estão instaladas as pistas de rolamento propriamente ditas, canteiros, obras-de-arte, acostamentos, sinalização e faixa lateral de segurança, até o alinhamento das cercas que separam a estrada dos imóveis marginais ou da faixa do recuo, bem como seus espaços laterais, destinados à instalação de postos de serviços. Estes espaços físicos são administrados exclusivamente pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER).

Em razão de previsão constitucional, essas porções de terra não podem ser usucapidas, de modo que o aproveitamento destes espaços pelo particular, se dá apenas mediante concessão pública e exclusivamente para atender ao interesse público. Nestas situações, o particular não exerce a posse propriamente dita, mas tão somente a detenção do espaço físico.

A diferença entre esses dois institutos é simples: enquanto o possuidor exerce, de fato, algum dos poderes inerentes à propriedade, quais sejam, usar, gozar, dispor da coisa ou reavê-la; o detentor apenas conserva a posse em nome do outro (neste caso, do Estado), isto é, cumprindo as suas ordens e instruções.

Por outro lado, ao fim a faixa de domínio, se encontram os espaços lindeiros as rodovias estaduais, que, ao contrário, constituem bens particulares. Assim, diferente do que ocorre com os bens públicos, a ocupação destas áreas configura posse e não detenção.

É justamente por isso que os imóveis confrontantes às rodovias estaduais podem ser adquiridos por meio de usucapião, desde que comprovado o exercício ininterrupto da posse pelo prazo definido em lei.

Entretanto, neste caso, o exercício dos direitos sobre a posse e propriedade encontra limitação administrativa. Isso porque as áreas imediatamente confrontantes às rodovias estaduais constituem áreas non aedificandi, do latim, espaço onde não é permitido construir.

Conforme redação expressa do inciso III, do artigo 4º, da Lei Federal n. 6.766/1979, são consideradas faixas não edificantes todas as áreas que distam, no mínimo, 15 (quinze) metros do fim da faixa de domínio público. Todavia, a entrada em vigor da Lei Federal n. 13.913, em 2019, passou a permitir a flexibilização da medida da área reserva, até o limite de 5 (cinco) metros, por meio de lei municipal ou distrital que aprovar o instrumento do planejamento territorial.

Cabe destacar que a área não edificante tem como finalidade garantir a implementação futura de duplicações ou extensões das rodovias, por meio de desapropriação, bem como viabilizar a instalação e funcionamento de redes de equipamentos urbanos e ambientais, para prestação de serviços de abastecimento de água, energia, rede telefônica e gasoduto. É por esse motivo, portanto, que a decisão quanto à necessidade de redução ou ampliação desta faixa cabe a cada município, observadas as necessidades e interesse de cada ente.

Você deve estar se questionando: Mas se não é possível o levantamento de construções nas áreas non aedificandi, como pode o particular se utilizar delas, sobretudo para demonstração do exercício da posse, necessária à concessão da usucapião?

A resposta é mais simples do que parece. Como dito, a lei não proíbe a utilização destas faixas, apenas as edificações. Dessa forma, é comum que as áreas não edificantes sejam destinadas a realização de atividades agrícolas e até mesmo pecuárias.

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