A empresa no banco dos réus

A pessoa jurídica pode responder a um processo criminal? Se sim, em quais hipóteses? Saiba mais no texto a seguir.
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Dante D’Aquino

Head da área penal empresarial

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Síntese

“A Constituição da República previu, em norma programática, duas hipóteses em que a pessoa jurídica poderia ser colocada como parte em uma demanda de natureza criminal – quando envolvida em delitos econômicos e em crimes ambientais. Ocorre que o artigo 173 e seu parágrafo 5º delegou ao poder legislativo regulamentar, por meio de lei específica, a responsabilidade penal da empresa por delitos econômicos. Até hoje, não há lei regulamentadora e a norma permanece programática para essa hipótese. Não é o caso dos crimes ambientais. No Direito Brasileiro, a única hipótese regulamentada por lei em que a pessoa jurídica poderá ser colocada como ré em uma ação penal é a de envolvimento em crimes ambientais.”

Comentário

A Constituição da República previu, em norma programática, duas hipóteses em que a pessoa jurídica poderia ser colocada como parte em uma demanda de natureza criminal – quando envolvida em delitos econômicos e em crimes ambientais. Ocorre que o artigo 173, em seu parágrafo 5º, delegou ao poder legislativo regulamentar, por meio de lei específica, a responsabilidade penal da empresa por delitos econômicos. Até hoje, não há lei regulamentadora e a norma permanece programática para essa hipótese. Não é o caso dos crimes ambientais. No Direito Brasileiro, a única hipótese regulamentada por lei em que a pessoa jurídica poderá ser colocada como ré em uma ação penal é a de envolvimento em crimes ambientais.

A Constituição trouxe grandes inovações no que diz respeito à proteção do meio ambiente. Ao contrário das constituições anteriores, a de 88 conferiu efetiva proteção ao meio ambiente, trazendo mecanismos para sua tutela processual e controle.

A esse respeito, vale destacar parte da previsão constitucional que aborda a fruição do meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, objetivos que foram alçados à categoria de direito fundamental. José Afonso da Silva, grande nome do Direito Constitucional brasileiro, afirma que o “ambientalismo passou a ser tema de elevada importância nas Constituições mais recentes. Entrou nelas deliberadamente como direito fundamental da pessoa humana, não como simples aspecto da atribuição de órgãos ou de entidades públicas, como ocorria em Constituições mais antigas (…). A Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar diretamente da questão ambiental. Pode-se dizer que ela é uma Constituição eminentemente ambientalista.” (Direito ambiental constitucional. 4ª ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 43).

Dessa forma, o grande marco divisório da concepção de meio ambiente como categoria de bem jurídico de relevância constitucional e, por conseguinte, merecedor de lei regulamentadora para sua proteção integral foi, sem dúvida, a Constituição Federal de 1988. O texto tem o mérito de trazer um sistema legislativo de proteção ambiental, posteriormente disciplinado pela Lei nº 9.605/98, alcunhada de Lei dos Crimes Ambientais.

Os diversos artigos que se referem ao meio ambiente na Constituição, apresentam claro caráter interdisciplinar, pois se referem à aspectos econômicos, sociais, procedimentais, abrangendo, ainda, a questão sanitária, administrativa, e a previsão mais polêmica, que é a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

O artigo 225 do texto constitucional, assim prescreve: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” Observe-se que o disposto nos parágrafos do artigo 225 buscam, precisamente, conferir efetividade à proteção do meio ambiente,  isto é, garantir que todos tenham direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, inclusive as gerações futuras. Dessa maneira, tendo em vista a extensão da matéria nele abordada, primeiramente, pode-se aferir que o meio ambiente sadio e equilibrado é direito e dever de todos, tido como “bem de uso comum”, definido por Hely Lopes Meirelles, como aquele “que se reconhece à coletividade em geral sobre os bens públicos, sem discriminação de usuários ou ordem especial para sua fruição” (Direito Administrativo brasileiro. 16ª ed. São Paulo: RT. 1991. p. 426).

Ainda, atente-se que, por “bens de uso comum”, não se pode entender somente os bens públicos, mas também os bens de domínio privado, eis que podem ser fixadas obrigações a serem cumpridas por seus proprietários, como ocorre com a necessária destinação de reserva legal às propriedades privadas localizadas fora da região urbana. O raciocínio para tal imposição à propriedade privada se fundamenta, justamente, no caráter holístico do meio ambiente.

Constata-se, ainda, que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é indisponível e tem a natureza de direito público subjetivo; ou seja, pode ser exigível em face do próprio poder público, eis que a ele também incumbe a tarefa de protegê-lo. Cria-se para o Poder Público um dever constitucional, geral e positivo, representado por verdadeiras obrigações de fazer, de zelar pela defesa (defender) e preservação (preservar) do meio ambiente.

Dentro desse contexto de alçada do meio ambiente à categoria de direito fundamental constitucional, percebe-se que esse mesmo dever imposto ao Poder Público se estende também a todos os partícipes da sociedade, usuários do ambiente como destinatários do dever de assegurar a higidez ambiental às futuras gerações. Nesse aspecto é que se ancora a análise da preservação ambiental como um direito fundamental, indisponível e constitucionalmente reconhecido. Aqui reside o ponto central da orientação à máxima proteção conferida pela política criminal a esse bem jurídico.

A Constituição Federal, no artigo 225 citado, trouxe essa preocupação de caráter eminentemente social e humano. Deixou registrada a inter-relação existente entre o direito fundamental à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana e o meio ambiente. Todos eles são fundamentais e necessários à preservação da vida. É fundamental que a sociedade e autoridades públicas se lancem ao trabalho de tirar essas regras do texto e trazê-las para a existência efetiva, pois, na verdade, o maior dos problemas ambientais é a omissão. É preciso, numa palavra, ultrapassar a retórica ecológica por ações concretas em favor do ambiente e da vida.

Por todas as razões acima é que a defesa do meio ambiente passa por incluir a pessoa jurídica como parte inclusive nos processos criminais. Assim, politicamente, observando-se a necessidade premente de garantir a posteridade do meio ambiente e da própria vida, é que se justifica (desse ponto de vista) a responsabilidade penal da pessoa jurídica por delitos ambientais. Há, contudo, forte resistência dogmática para a utilização do direito penal em face da pessoa jurídica. Todas, no entanto, serão tratadas no próximo Argumento.

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