A lei nº 14.039/2020 e a contratação de advogado por inexigibilidade de licitação

Editada para trazer clareza aos processos de contratação direta de serviços advocatícios, tal lei contém redação que pode gerar insegurança jurídica.

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A Câmara dos Deputados noticiou a entrada em vigor da Lei nº 14.039/2020, referindo-se a ela como a “lei que dispensa licitação para contratação de advogado”.

 A nova norma altera a lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB), inserindo em seu corpo o art. 3º-A, cujo caput estabelece que “os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.”

O texto do dispositivo denota que, em verdade, a pretensão do legislador foi esclarecer que os serviços de advocacia podem, sim, ser enquadrados como serviços técnicos singulares, passíveis de serem contratados por inexigibilidade de licitação (e não por dispensa, conforme notícia da Câmara dos Deputados), com fundamento no art. 25, inc. II, da Lei nº 8.666/93.

A intenção é nobre, já que o assunto, discutido há bastante tempo no âmbito dos Tribunais e pela doutrina especializada, segue levantando dúvidas e gerando insegurança jurídica.

 O Tribunal de Contas da União, por exemplo, parecia ter se inclinado no sentido de que nem todo serviço advocatício possuiria natureza técnica e singular apta a justificar a realização de contratação direta com base no art. 25, inc. II, da Lei nº 8666/93 (Acórdão nº 2012/2007 – Plenário). Assim, de acordo com a jurisprudência daquela Corte, a contratação desse tipo de serviços por inexigibilidade de licitação demandaria, a rigor, a comprovação de que os serviços possuiriam natureza técnica e singular, e ainda que o(s) profissional(ais) a ser(em) contratado(s) deteria(m) notória especialização (Acórdão nº 1604/2011).

Tomando-se por base esse posicionamento, a Lei nº 14.039/2020 inova, criando a presunção de que os serviços advocatícios são, por natureza, técnicos singulares. Ou seja, ela indica que, a rigor, a contratação desse tipo de serviço, por inexigibilidade de licitação fundada no art. 25, inc. II, da Lei nº 8.666/93, ficaria vinculada apenas à comprovação de notória especialização do sujeito a ser contratado. E, nesse ponto, a técnica legislativa deixa a desejar.

De acordo com o parágrafo único do novo art. 3º-A do Estatuto da OAB, considera-se que um profissional ou sociedade de advogados possui notória especialização quando seu “conceito no campo de […] especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.” (g.n.).

Ocorre que, sob a lógica do instituto da inexigibilidade e à luz da inteligência do art. 25, inc. II, da Lei nº 8.666/93, a demonstração de que o trabalho de determinado advogado ou sociedade de advogados é “o mais adequado à plena satisfação” da Administração Pública é materialmente impossível.

A inexigibilidade de licitação para contratação de profissional com notória especialização para prestar serviço jurídico técnico especializado, de natureza singular, não se funda numa suposta ausência de competitividade em torno da oportunidade de firmar o negócio com a Administração Pública, mas, sim, na ausência de critérios objetivos aptos a comparar a capacidade dos renomados profissionais e/ou bancas que possam se interessar pela possibilidade de representar o Poder Público numa causa complexa.

Imagine-se hipótese em que a Administração Pública precisasse contratar um especialista em Direito Processual Civil para confeccionar um parecer jurídico que serviria para sustentar um conjunto de teses em ação de alta complexidade. Imagine-se, também, que a oportunidade em questão tivesse atraído o interesse dos professores Ovídio Araújo Baptista da Silva e Egas Dirceu Moniz de Aragão (in memoriam). Seria impossível comparar objetivamente o trabalho de qual destes dois renomados profissionais seria o “mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato”.

Na prática, a demonstração exigida pelo parágrafo único do novo art. 3º-A do Estatuto da OAB tende a gerar dúvidas no momento da estruturação da motivação apta a demonstrar a legitimidade da contratação de profissionais com notória especialização para a prestação de serviços advocatícios.

Ressalte-se que tais dúvidas poderão se traduzir em equívocos que serão questionados por órgãos de controle, implicando, inevitavelmente, aumento da insegurança jurídica em torno das contratações públicas.

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