Síntese
Entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) no sentido de que o contratado responde pelos erros e omissões do anteprojeto de responsabilidade da Administração pode amplificar o risco de seleção adversa nas licitações para a contratação integrada de obras e serviços de engenharia, premiando os licitantes menos diligentes no exame do anteprojeto, em detrimento daqueles que fizerem uma análise exaustiva e crítica do objeto e propuserem soluções para o endereçamento dos eventuais problemas.
Comentário
A partir da edição da Lei n.º 14.133/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLC) é perceptível a majoração do número de editais de licitação visando à execução de obras e serviços de engenharia sob o regime da contratação integrada que, até então, era restrita às obras e serviços excepcionais previstas na lei que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações (RDC).
Na contratação integrada, antes de executar a obra ou o serviço de engenharia, o contratado é responsável por elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo. Nessa modalidade, não há, pela Administração, a definição prévia e exaustiva da forma como o objeto deve ser executado, mas apenas do resultado pretendido. O objeto será determinado a partir apenas de um anteprojeto, no qual serão fixados parâmetros qualitativos e quantitativos, a partir dos quais o contratado terá condições de projetar e definir a forma como atingirá o resultado.
Isso permite a escolha dos melhores meios, da melhor tecnologia e/ou metodologia, dos materiais mais condizentes, dos sistemas que reputar mais adequados, dentre outras soluções, para o atendimento dos objetivos da obra ou do serviço de engenharia.
É, portanto, uma forma de contratação que permite maior grau de eficiência e que poderá trazer melhores soluções, expertises e inovações ao objeto licitado. De outro lado, a maior autonomia do contratado implica em maior assunção de riscos, o que, como consequência, pode gerar preços mais elevados, uma vez que, ao assumir a responsabilidade pela definição e escolha das soluções, eventual erro ou inadequação do objeto será a ele imputada.
A NLLC estipula que os riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação associados à escolha da solução de projeto básico pelo contratado deverão ser alocados como de sua responsabilidade na matriz de riscos. Isso não implica, por certo, na assunção automática de responsabilidade, pelo contratado, sobre riscos relacionados às falhas e omissões no anteprojeto de responsabilidade da administração não supervenientes à contratação.
Tampouco significa a impossibilidade de reequilíbrio econômico-financeiro (REF) do contrato e a alteração dos valores contratuais. O REF ocorrerá nas hipóteses previstas no artigo 133, da NLC. Por ocorrência de evento superveniente alocado na matriz de riscos como de responsabilidade da Administração ou em virtude de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica, desde que não decorrente de erros ou omissões por parte do contratado, a lei assegura a ele a majoração do valor do contrato como medida de reequilíbrio. Trata-se de garantia legal em favor do contratado na NLLC.
O único óbice ao reequilíbrio econômico-financeiro na NLLC é que a alteração – superveniente à contratação – não seja decorrente de erros e omissões por parte do contratado.
E quando o erro ou omissão for de responsabilidade da Administração? Nesse caso, o contratado precisa absorver o risco sobre as omissões, imprecisões ou falhas de anteprojeto, independentemente de sua gravidade e dificuldade de identificação? A doutrina afirma que não. Marçal Justen Filho aduz que “nas contratações integradas, o particular assume apenas os riscos pertinentes às escolhas realizadas. Mas o particular não responde por riscos relativamente às decisões e soluções adotadas pela Administração (Comentários, 2021, p. 1439).
Nada obstante, o Tribunal de Contas da União (TCU), no Acórdão n.º 831/23 – Plenário, em processo de auditoria sobre a primeira obra da Infraero executada sob a forma da contratação integrada para a ampliação do Aeroporto Internacional Afonso Pena/PR, entendeu que, nas situações em que não houver uma alocação objetiva de riscos entre as partes no próprio contrato, o construtor deve assumir os eventuais encargos resultantes de incompletudes e omissões do anteprojeto.
Trata-se de posição extremamente severa: o contratado deve absorver o risco de qualquer omissão, imprecisão ou falha de anteprojeto, independentemente de sua gravidade e dificuldade de identificação (seja na etapa de licitação, seja na execução contratual).
Além disso, o art. 22, § 4º da NLLC estipula a assunção do risco pela contratada de tudo aquilo relacionado à escolha da solução no âmbito do projeto básico (com base na informação do anteprojeto), mas isso está longe de representar uma carta branca que permita à Administração impor riscos relacionados ao conteúdo original do anteprojeto (o que contempla erros ou omissões) e que influenciem, de forma significativa, a própria solução concebida pelo contratado.
Isso consagraria a normalização do risco de seleção adversa: os licitantes que fizerem uma avaliação profunda do anteprojeto, verificando de antemão erros e omissões para lhes dar o endereçamento adequado serão superados pelos licitantes que não tenham a mesma diligência e formulem preços mais baixos, justamente por não denotarem a necessidade de correções e ajustes. Na prática, acaba por significar a premiação da pior proposta o que, possivelmente, resultará em uma contratação insustentável sob o aspecto econômico-financeiro e, em última instância, levar ao fracasso da contratação.
Assim, não se pode descartar a possibilidade de correções e integração de lacunas no anteprojeto durante a execução contratual, devidamente acompanhadas do correspondente reequilíbrio em favor do contratado, desde que se trate de erros não elementares e não imputáveis a ele.