A nova lei de licitações e suas implicações penais

Veja o que muda nos processos licitatórios em decorrência da recente aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 1292/95.
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Dante D’Aquino

Head da área penal empresarial

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Após 24 anos de tramitação e mais de 230 processos apensados, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em setembro de 2019, o texto principal do projeto de lei nº 1292/95, que consolida a nova Lei de Licitações. Dentre as principais inovações constam a modificação das etapas do processo licitatório, a criação da modalidade de contratação por diálogo competitivo, a exigência de seguro-garantia para grandes obras, a criação do Portal Nacional de Contratações Públicas e outros aspectos do tema para as três esferas de governo, ou seja, União, estados e municípios.

De fato, a nova lei traz alterações úteis que terão impactos na transparência da contratação pública, como a obrigatoriedade de implantação de um programa de integridade (Compliance) em determinados casos. Por outro lado, apresenta uma inflação penal típica da crença de que ampliar a pena ou criar novos crimes pode servir para desestimular condutas, o que é altamente questionável de acordo com a maior parte dos estudos da área e diante da análise de dados que a própria jurisprudência nos traz.

A título de exemplo, tivemos no Brasil, em 1990, a lei 8.072 que conferiu severo tratamento aos crimes classificados como hediondos. Dentre eles estavam o tráfico de drogas, o homicídio qualificado, o latrocínio e vários outros crimes graves. De 1990 para cá, inobstante constarem do rol de delitos hediondos, tais crimes não deixaram de ocorrer, tampouco tiveram queda em seus marcadores ou índices sociais. Ao contrário, a lei em tese parece não surtir efeito na prática cotidiana. Mas o discurso, claro, serve para outros diversos fins. Inclusive para arrecadar tributos, como no caso do direito penal utilizado para sonegação fiscal sem fraude, em que o pagamento do valor ao Estado extingue o processo. São as alvíssaras funções do direito penal.

Guardadas as proporções, a nova lei de licitações promove um significativo aumento da pena de fraude à licitação, fazendo renascer um pensamento próprio da década de noventa. Permite também a prisão de qualquer pessoa pela conduta que “frustre o caráter competitivo do processo licitatório” (artigo 337 do Código Penal) em inovação bastante genérica, que deixa ao intérprete (no caso, o Ministério Público) a atribuição de fazer o exame semântico do que vem a ser a mencionada “conduta que frustre o caráter competitivo”.

Dessa forma, o projeto termina por conferir ao Ministério Público, novamente, o superpoder de órgão fiscalizador armado com a titularidade da denúncia crime, mesmo após o término do processo licitatório, com as obras ou a prestação de serviços em curso, além do controle realizado pela própria administração pública.

E o aspecto grave é a insegurança jurídica gerada à empresa que pretende contratar ou prestar serviços à administração. Não basta a infinidade de documentos, certidões negativas, alvarás, autorizações ambientais, administrativas, licença de operação, de instalação, e o cumprimento de inúmeras condicionantes para sagrar-se vencedora em um processo licitatório.

Além disso, haverá a exposição da empresa à interpretação vaga e genérica do que vem a ser uma “conduta que frustre o caráter competitivo do processo licitatório.” E, neste caso, expressões lacônicas, amplas, subjetivas, quando utilizadas para descrever condutas proibidas, acabam por conferir ampla margem à atuação do Ministério Público, órgão que tem a atribuição de propor ações penais. A história mostra que, em situações tais, o resultado é uma centena de processos judiciais para discutir e delimitar o alcance proibitivo da norma.

Como se sabe, o País vive um período de grandes discussões sobre o direito penal. O tema saiu das páginas dos jornais especializados para ocupar as capas dos grandes jornais e o horário nobre dos televisivos, envolvendo, em grande parte, empresas que tradicionalmente contratam com o Poder Público. E, diante de uma crescente utilização do direito penal, que ganhou fama e prestígio popular com operações de grande porte vazadas com antecedência e cobertas pela imprensa, não seria demais supor reflexos penais na nova lei de licitações e contratos.

E, de fato, os reflexos ocorreram.

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