A repercussão econômica da decisão do TJPR e os planos de saúde

O olhar do Judiciário às consequências práticas de suas decisões, a começar pelos exames de alto custo que não se enquadram nas diretrizes da ANS.
Ana-Carolina-Martinez-Bazia

Ana Carolina Martinez

Advogada egressa

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Síntese

O olhar do Judiciário às consequências práticas de suas decisões, a começar pelos exames de alto custo que não se enquadram na diretrizes da ANS.

Comentário

Com fundamento inédito, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná proveu a apelação da operadora de plano de saúde para afastar dela o dever de cobertura, ao reconhecer a necessidade de consideração da repercussão econômica da decisão no caso de deferimento de exame de elevado custo, a partir da recente alteração da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (Lei nº 13.655/2018).

A atualização desta Lei  teve por objetivo aproximar as decisões estatais da realidade, a fim de propiciar maior segurança jurídica, haja vista, sobretudo, as inovações ligadas ao aperfeiçoamento da atividade do Estado. O art. 20, introduzido à LINDB por esta alteração, em sua especificidade, volta-se à imposição de observância das circunstâncias que compõem o caso concreto, incluindo a avaliação de alternativas diversas. Seu escopo está na aplicação do direito, isto é, na disciplina de uma situação real. Vejamos:

Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Afinal, como coloca o professor Marçal, a aplicação do direito envolve escolhas a serem realizadas por aquele que está apto e é competente para proferir decisões. Os limites normativos dessas decisões nem sempre são suficientemente claros, pois, afinal, envolvem a técnica legislativa de previsão de padrões abstratos para a solução da realidade apresentada.

Em outras palavras, visto que o legislador não consegue prever todas as situações que podem ocorrer, termos e fundamentos genéricos são usados na elaboração de lei e na concretização das normas através das decisões judiciais. Contudo, o dispositivo citado busca diminuir a insegurança, a subjetividade e a arbitrariedade que pode advir dessas abstrações. Assim, estar atento às consequências práticas dessas decisões é medida que se impõe, evitando sua nocividade.

Com essa ideia em mente, a jurisprudência do TJPR deu o primeiro sinal de aderência a essa imposição provida pela alteração de 2018,  haja vista que, em 28.03.2019, proferiu acórdão nesse sentido. Em decisão unânime da 8ª Câmara Cível, na Apelação Cível nº 0025038-24.2018.8.16.0014, de relatoria do Des. Clayton Maranhão, entendeu-se pela inexistência do dever de cobertura do plano de saúde para exame de sequenciamento de exoma que desatendia as diretrizes da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Isso porque essas diretrizes revelam, com base em critérios técnicos científicos, o reconhecimento da segurança, considerando a efetividade do resultado clínico e o cabimento do emprego de determinada técnica após o esgotamento prévio do uso de outros meios de diagnóstico de menor custo.

No corpo do voto do relator, é de se destacar que um dos fundamentos muito bem utilizados para embasar seu posicionamento refere-se à impossibilidade do Judiciário negligenciar as consequências práticas de suas decisões, conforme o art. 20 acima citado indica. Dessa forma, a prerrogativa do médico assistente em definir a melhor técnica a ser adotada foi flexibilizada. Isto porque, como bem pontuou o Desembargador Relator, o uso indiscriminado de procedimentos que envolvem alta tecnologia e elevado custo poderá acarretar impacto econômico ao plano, sendo inevitável a repercussão na definição dos custos de mensalidade a serem exigidas de todos os seus usuários.

Recorde-se que os planos de saúde, de uma maneira geral, atuam com valores de prêmio fixados através de cálculo atuarial e do mutualismo, que realiza o gerenciamento dos riscos e é vital para a sobrevivência das operadoras. Desse modo, a utilização desses procedimentos, quando em desacordo com as orientações da ANS, pode acarretar reflexos a todos os beneficiários, seja através do aumento das mensalidades ou, em casos ainda mais graves, na insustentabilidade da operadora como um todo.

Nesse sentido, adotando o entendimento que melhor se coaduna com as aspirações democráticas estampadas na lei, que permite a interpretação legítima dos demais dispositivos, esta decisão mostra-se de todo acertada. O que se observa é o abandono de motivações vazias, em princípios de grande abstração, como o direito à saúde, para a construção de decisões próximas à realidade cotidiana e conforme normas concretas.

O acórdão reflete com precisão a busca por fazer se aperceber que o Judiciário não é um sistema isolado na sociedade, mas que é apenas um pequeno sistema dentro de um conjunto maior do sistema social, em que há reflexos para os outros pequenos sistemas, como da economia, da saúde, da política, etc.

Por isso, tal decisão deve ser considerada um avanço que tem por necessidade concretizar-se, especialmente com a explícita norma existente na recente atualização legislativa ora comentada.

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