A retomada da discussão entre aterros sanitários e lixões no Supremo Tribunal Federal

STF retoma a discussão sobre a amplitude do conceito de utilidade pública e a gestão de resíduos sólidos, definindo o futuro dos aterros sanitários.
Site

Larissa Casares

Advogada da área de infraestrutura e regulatório

Compartilhe este conteúdo

Síntese

Após um hiato de mais de quatro anos, o STF deve concluir julgamento firmando posição definitiva acerca da manutenção ou não de aterros sanitários em áreas de preservação permanente. O julgamento tem o condão de afetar a gestão de resíduos sólidos nas principais regiões metropolitanas do país e estabelecer um novo paradigma de disposição final no setor de resíduos sólidos

Comentário

Em 2018, tive a oportunidade de escrever sobre o julgamento da ADI n.º 4.903, em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucional a previsão de gestão de resíduos sólidos na Lei Federal n.º 12.651/2012 (Código Florestal) como atividade de utilidade pública. À época, tinha-se o seguinte contexto: o Código Florestal admitia algumas hipóteses de intervenção em áreas de preservação permanente, tais como casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental. Ao tratar das atividades de utilidade pública, o Código Florestal elencava a gestão de resíduos sólidos com tal.

Com o julgamento do STF em 2018, a consequência prática foi inviabilizar a permanência de aterros sanitários nessas áreas, atingindo por volta de 80% dos aterros até então instituídos. A pendência estava, então, em se definir a partir de quando passaria a valer a decisão.

Ocorre que, de lá para cá, a gestão de resíduos sólidos passou por importante alteração de entendimento: em 2019, foram opostos embargos de declaração ao acórdão proferido pelo STF no julgamento da ADI n.º 4.903, sustentando a necessidade de revisão do julgamento quanto às atividades de gestão de resíduos, pois os aterros sanitários compõem etapa dos serviços públicos de saneamento básico, este último mantido dentre aquelas atividades de utilidade pública admitidas excepcionalmente em áreas de preservação permanente.

Até o final de 2023, seis ministros apresentaram seus votos nos embargos de declaração em julgamento virtual. Deles, três ___ incluindo o relator Ministro Luiz Fux ___ votaram pela manutenção da inconstitucionalidade, adotando-se o prazo de três anos, a contar do julgamento dos embargos, para que os aterros sanitários fossem retirados de áreas de preservação permanente.

O Ministro Edson Fachin e o Ministro Alexandre de Moraes também votaram pela manutenção da declaração de inconstitucionalidade; no entanto, traçaram entendimentos distintos quanto à modulação dos efeitos da decisão. Para Fachin, o prazo de três anos para encerramento dos aterros sanitários nas áreas de preservação permanente deve ser contado a partir da publicação do acórdão de julgamento dos embargos de declaração, e não da data de julgamento original da ADI. Já no entendimento de Moraes, os aterros em áreas de preservação permanente devem ser progressivamente desativados no período máximo de dez anos.

Contudo, foi o voto do Ministro Gilmar Mendes que reacendeu a discussão sobre o conteúdo do conceito de utilidade pública e a gestão de resíduos sólidos. Tal se diz, pois o Ministro votou pelo provimento dos embargos de declaração para integrar a gestão de resíduos novamente ao conceito de utilidade pública, pois o que não poderia ser contemplado em áreas de preservação permanente seriam apenas os lixões, haja vista essa modalidade envolver o descarte inadequado de resíduos sólidos.

Em 02.02.2024, o STF retomou o julgamento da ADI n.º 4.903 (em conjunto com das ADIs n.os 4.901, 4.902, 4.937 e da ADC 42) com pedido de destaque do julgamento pelo Ministro Gilmar Mendes, tendo-se, agora, julgamento presencial. Na sequência, devem ser apresentados os votos dos Ministros Roberto Barroso, Nunes Marques, André Mendonça, Dias Toffoli e Cristiano Zanin.

Diante da distinção entre lixões e aterro sanitário feita pelo Ministro Gilmar Mendes, faz-se necessário aprofundar a análise sobre o tema. As áreas de preservação permanentes urbanas foram instituídas pelo Código Florestal como importante veículo de proteção territorial:

  1. do solo, prevenindo desastres associados ao uso e ocupação inadequados;
  2. de corpos d’água, seja para prevenir poluição de águas ou até mesmo enchentes, tanto quanto inundações e enxurradas;
  3. do clima, prevenindo o desconforto térmico e ambiental e os efeitos da chamada “ilha de calor”.

Dada a importância das áreas de preservação permanente, como visto, o Código Florestal apenas admite a intervenção em tais territórios nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental. Por outro lado, o despejo de resíduos sólidos em desacordo com a lei ___ os chamados lixões ___ é crime ambiental e o prazo legal final para sua erradicação em todo o país termina em agosto deste ano. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, o Programa Lixão Zero já encerrou mais de 800 lixões em todo o país. Daí porque os lixões não poderiam estar instalados em áreas de preservação permanente ou em qualquer outro tipo de local.

Diferente dessa prática, os aterros sanitários são locais projetados para receber e tratar resíduos sólidos de maneira ambientalmente correta e segura, equipados com sistemas de coleta de gases e com monitoramento da qualidade do ar, do solo e da água. No entanto, não se trata de solução única à destinação do lixo. Como já tratado anteriormente, o ciclo da gestão dos resíduos sólidos pode e deve se valer de opções mais sustentáveis ao descarte final. Soluções como reciclagem, compostagem e incineração estão na ordem do dia do que é ambientalmente mais adequado.

Considerando as mudanças climáticas, a manutenção ou não de aterros em áreas de preservação permanente é tema que está na ordem do dia e tem potencial para sofrer profundas alterações em 2024.

Gostou do conteúdo?

Cadastre-se no mailing a seguir e receba novos artigos e vídeos sobre o tema

Quero fazer parte do mailing exclusivo

Prometemos preservar seus dados pessoais e não enviar spam
Recomendamos a leitura da nossa Política de Privacidade.