A caracterização dos regimes tributários privilegiados na apuração de tributos federais (IRPJ e CSLL) e municipais (ISSQN) para as sociedades médicas tem sido tema de discussões entre contribuintes e fisco há muitos anos. As divergências normalmente dizem respeito ao atendimento dos requisitos estabelecidos pelas normas tributárias para o gozo dos regimes e tem como um fator agravante a existência de interpretações diversas sobre conceitos societários e contábeis.
A legislação vigente disponibiliza hoje dois regimes tributários diferenciados para as sociedades médicas, uma no âmbito federal e outra no âmbito municipal: a redução dos percentuais de presunção de lucro, no regime de lucro presumido, de 32% para 8% na apuração de IRPJ e CSLL e o regime fixo de incidência de ISS, que estabelece uma única incidência anual do tributo municipal em oposição a uma incidência a cada evento de faturamento.
Em linhas gerais, para situar a discussão quanto aos tributos federais, é possível dizer que, até 2009, debatia-se sobre a caracterização e limites do que seriam os ‘serviços hospitalares’, nomenclatura utilizada pela legislação que instituiu o benefício (Lei n.º 9.249/1995). A partir de 2009, com a entrada em vigor da Lei n.º 11.727/2008, a redução da tributação federal (IRPJ/CSLL) no lucro presumido passou a ser aplicável às ‘sociedades médicas empresariais e que atendam às normas da ANVISA’. As discussões migraram, então, para os aspectos fáticos e jurídicos do conceito de sociedade empresarial, utilizando-se como premissa jurídica as normas civis que definem ‘empresa’ como atividade econômica organizada com finalidade lucrativa. Também se instaurou uma controvérsia sobre os limites e requisitos para o atendimento às normas da ANVISA (Resolução n.º 50/2002 – Regulamento Técnico para planejamento, programação, elaboração e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde).
Com relação ao regime diferenciado do ISS Fixo, as discussões também acabaram envolvendo o conceito de sociedade empresarial, mas em oposição ao conceito de sociedade uniprofissional simples, sendo esta a principal exigência formal das legislações municipais para o gozo do regime favorecido de ISS. No âmbito dos municípios, houve uma ampla revisão dos critérios objetivos de definição das sociedades médicas elegíveis para o ISS fixo. O entendimento das fazendas municipais se revelou bastante restritivo, envolvendo os instrumentos de constituição das sociedades, a distribuição das responsabilidades societárias, a presença de funcionários ou de profissionais de outras especialidades no quadro social.
Em meio a estas duas possibilidades de regimes beneficiados e suas respectivas complexidades normativas, envolvendo órgãos fazendários diversos, o planejamento tributário das sociedades médicas, a grosso modo, acabou se situando na escolha entre o benefício federal e o municipal, mediante a constituição de sociedade simples ou sociedade limitada, sendo aquela registrada em registro civil e esta em Junta Comercial.
Após um longo período de discussões administrativas e judiciais circunscritos ao cruzamento entre critérios objetivos legais versus realidade material das sociedades médicas, uma nova série de pronunciamentos da jurisprudência vem estabelecer parâmetros de julgamento mais flexíveis.
No caso do ISS fixo e a caracterização da sociedade médica elegível, por exemplo, há precedentes recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulando decisões baseadas no fato de a sociedade médica ser constituída sob a forma de sociedade limitada, uma causa bastante comum de desenquadramento de sociedades do regime diferenciado. A Corte tem manifestado entendimento de que a fruição do direito à tributação privilegiada do ISSQN depende da análise da atividade efetivamente exercida pela sociedade, sendo relevante que os fatores de produção, circulação e de organização empresarial não se sobreponham à atuação profissional e direta dos sócios na condução do objeto social da empresa.
Ou seja, segundo pronunciamentos recentes do STJ, pode fazer jus ao ISS fixo a sociedade que seja formalmente constituída como de responsabilidade limitada, porém, na prática, desenvolva as atividades como uma sociedade simples ____ de sócios de serviços.
Já no âmbito federal, tem-se recentes decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF em sentido similar, privilegiando substância sobre forma. O tribunal reconheceu aos contribuintes constituídos sob a forma de sociedade simples o direito de utilizar a alíquota reduzida mediante a comprovação da organização de suas atividades sociais com elementos de empresa. Dispensando requisitos relevantes como a inscrição na Junta Comercial, os órgãos julgadores partiram da análise das circunstâncias de fato presentes no processo e concluíram que, a depender da forma pela qual o contribuinte explora e organiza a atividade econômica, é possível falar em ‘sociedade empresária de fato’.
Ambas as vertentes adotadas pela jurisprudência sinalizam uma tendência em se privilegiar a essência sobre a forma, em oposição à leitura restritiva que vinha sido adotada pelas fazendas federal e municipal. Sobretudo, o aperfeiçoamento das orientações contábeis e societárias apontam para a crescente necessidade de planejamento de forma antecipada e organizada. Crucial, portanto, o ajustamento entre as atividades realizadas pela sociedade e sua compatibilidade com o tipo societário e regime tributário escolhido.