Presidente diz que governadores e prefeitos terão que arcar com os encargos trabalhistas decorrentes da paralisação

Maria Fernanda

Maria Fernanda Sbrissia

Advogada egressa

Geovana-de-Carvalho

Geovana de Carvalho Filho

Advogada da área de direito do trabalho

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Da equipe de Direito do Trabalho

No dia 27 de março de 2020 (sexta-feira), na saída do Palácio da Alvorada, o Presidente Jair Bolsonaro disse que “Tem um artigo na CLT que diz que todo empresário, comerciante, etc, que for obrigado a fechar o seu estabelecimento por decisão do respectivo chefe do Executivo, os encargos trabalhistas quem paga é o governador e o prefeito, tá ok? Fecharam tudo. Era uma competição de quem ia faturar mais”.

O Presidente estava se referindo ao artigo 486 da CLT, que dispõe que “No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”.

Esse artigo prevê o que a doutrina chama de factum principis, (fato do príncipe), ou seja, ato de autoridade pública que determina a suspensão temporária ou definitiva das atividades da empresa, causando o término dos contratos de trabalho.

Tendo em vista a calamidade pública decorrente do coronavírus (COVID-19), questiona-se: os decretos dos Estados e dos Municípios que determinam o fechamento de empresas de atividades não essenciais, para reduzir ou impedir a disseminação do vírus, configuram-se factum principis?

Tecnicamente, sim. No entanto, a doutrina e a jurisprudência trabalhista possuem uma interpretação restritiva quanto ao referido instituto.

A doutrina majoritária entende que o fato do príncipe se aplica para ato administrativo específico, que atinge uma atividade específica. Ex.: Em 2003, o decreto assinado pelo governador Roberto Requião, revogou as resoluções que permitiam o funcionamento dos bingos e das videoloterias no Estado do Paraná. Nesse caso, as empresas de bingo poderiam alegar o fato do príncipe, pois foi uma ordem específica, para uma atividade específica.

Já o ato governamental que determinou a quarentena e a consequente paralisação de todas as atividades não essenciais, justificável ante o surto da COVID-19, é um ato genérico e não discricionário da administração pública, tomado para proteger a saúde pública, podendo ser justificado, inclusive, cientificamente. Logo, o COVID-19 revela impactos abrangentes, ainda que possam ser mais significativos para determinados setores empresariais.

Ademais, a situação de paralisação temporária, a princípio, não obriga os empregadores a rescindir os contratos de trabalho. As empresas podem optar pelo afastamento temporário dos empregados do ambiente de trabalho, adotando medidas previstas na Medida Provisória 927/2020, tais como o teletrabalho, a antecipação de férias e o banco de horas.

Deste modo, a doutrina majoritária entende que os decretos dos Estados e dos Municípios que determinam o fechamento de empresas de atividades não essenciais não se caracterizam como fato do príncipe. Consequentemente, ao contrário do que afirmou o Presidente Jair Bolsonaro, majoritariamente entende-se que governadores e prefeitos não teriam que arcar com os encargos trabalhistas decorrentes da paralisação.

Ainda que se entendesse que os decretos dos Estados e dos Municípios, que determinam o fechamento de empresas de atividades não essenciais, fossem caracterizados como fato do príncipe, a administração pública não teria que arcar com 100% das verbas rescisórias.

O artigo 486 da CLT prevê que a responsabilidade do Poder Público se restringe à indenização de 40% da multa do FGTS, não abrangendo o pagamento de salários e das demais verbas contratuais, como férias e 13º salário. Há quem defenda, que por ser uma verba indenizatória, o aviso prévio indenizado também ficaria a cargo do Poder Público.

No entanto, o pagamento da indenização não se daria de forma automática e imediata, como pode fazer parecer a redação do artigo 486 da CLT. Antes, estaria condicionado à propositura de ação judicial, com os trâmites característicos do seu rito e os respectivos custos.

Assim, caso o empregado acionasse o empregador, cobrando-lhe o pagamento das verbas indenizatórias não pagas, este poderia chamar à lide o ente que decretou a paralisação. Entretanto, deveria aguardar o andamento dos regulares atos processuais, até a decisão judicial, sem garantia quanto à atribuição da responsabilidade ao Estado ou ao Município, uma vez que o exercício interpretativo sobre a caracterização da pandemia como fato do príncipe está a cargo do magistrado, que por certo, não analisará a questão apenas sob o seu aspecto limitador, mas fará uma interpretação adjacente ao princípio da boa-fé.

Certamente, os magistrados irão ponderar que, para além dos direitos de margem patrimonial, também é direito dos trabalhadores, previsto constitucionalmente, a redução dos riscos inerentes ao trabalho. Anterior a qualquer decreto, a lei maior já determina que os empregadores tomem todas as medias necessárias para garantir a salubridade e a segurança de seus empregados.

Além dos aspectos jurídicos, também está a cargo do magistrado considerar critérios de razoabilidade, analisando as consequências econômicas desse cenário. Administração pública e sociedade civil, como um todo, serão potencialmente atingidas caso caracterizado o fato do príncipe.

Dessa forma, é questionável se magistrados irão transferir ao poder público o ônus de realizar o pagamento das verbas indenizatórias a todos os empregados dispensados, de todas as empresas que realizam atividades não essenciais, nas quais se consolidou a paralisação, tendo em vista um possível cenário marcado por outros fatores problemáticos, decorrentes do estado de calamidade pública.

Por fim, destaque-se, neste ponto, que os próprios decretos estaduais e municipais que determinam a paralisação se diferenciam entre si em sua organização, o que, por consequência, coloca diante da Justiça do Trabalho de cada Estado desafios também diferenciados para a interpretação e resolução das lides.

Isto posto, pela complexidade da questão, sobrevirá um ambiente de insegurança jurídica, e, com ele, a necessidade de uma decisão uniformizadora, que, no âmbito dessa Justiça especializada, fica a cargo do Tribunal Superior do Trabalho. Porém, a pacificação do tema por essa Corte pode levar um tempo considerável (meses ou até anos).

A área de Direito do Trabalho do Vernalha Pereira permanece à disposição para esclarecer sobre este e outros temas de interesse de seus clientes.

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