Conflito de interesse em arbitragens: as novas Diretrizes da International Bar Association (IBA)

Compreenda aqui as recentes inovações das Diretrizes da IBA sobre conflito de interesses e suas implicações para árbitros e partes.
Bruno-Marzullo-Zaroni

Bruno Marzullo Zaroni

Head da área de contencioso e arbitragem

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Introdução

Em artigo recentemente publicado em nosso Argumento Digital (ver aqui), tratamos dos parâmetros para a escolha de árbitros em arbitragens de infraestrutura. Demonstramos ali que um dos principais critérios para a nomeação de árbitros é a imparcialidade e a independência. 

Disso deriva que os árbitros têm o dever de recusar a indicação ou cessar sua atuação em dado procedimento arbitral, quando se encontrarem em situações de conflito de interesses.

Como a legislação nacional sobre arbitragem não estabelece de forma exaustiva quais circunstâncias fáticas caracterizam situações de conflito de interesses, é comum o recurso a práticas arbitrais internacionais, como instrumento de avaliação da imparcialidade e da independência dos árbitros. Nesse âmbito de discussão, as Diretrizes da International Bar Association (IBA) têm papel fundamental, sendo compreendidas como soft laws amplamente difundidas no tocante a conflitos de interesse e deveres de revelação de árbitros.

Introduzidas em 2004 e depois atualizadas em 2014, as Diretrizes da IBA estabelecem padrões internacionalmente aceitos para identificação e solução de conflitos de interesse em arbitragens. Ao longo destes 20 anos, as Diretrizes da IBA se tornaram um guia de referência para árbitros, advogados e instituições arbitrais.

Mais recentemente, em maio de 2024, uma nova versão das Diretrizes da IBA sobre Conflitos de Interesse em Arbitragem foi divulgada (ver aqui). A inovação é fruto do processo de consulta pública envolvendo profissionais e instituições de arbitragem de todo o mundo, resultando em modernizações e aprimoramentos. 

De um modo geral, a estrutura das Diretrizes foi mantida.  

Na primeira parte, as Diretrizes definem, em sete itens, padrões gerais (“general standards regarding impartiality, independence and disclosure”) como referência para a decisão sobre se um árbitro deve recusar uma nomeação ou renunciar à posição devido a conflito de interesses, os quais são acompanhados de notas explicativas.  

Na segunda parte, as Diretrizes da IBA fornecem exemplos práticos para a aplicação dos padrões gerais. Os exemplos são categorizados por seu potencial de conflito em um sistema que remete a um semáforo de alertas. Consiste em uma lista vermelha (situações em que atraem dúvida razoável quanto à imparcialidade do árbitro), lista laranja (situações de possível dúvida quanto à imparcialidade), e lista verde (casos que, em regra, não atraem dúvidas quanto à imparcialidade do árbitro).

Buscamos aqui tratar de algumas das modificações das Diretrizes da IBA e suas implicações para árbitros e partes.

Duração do dever de independência e imparcialidade

A regra geral n.º 1, das Diretrizes, dispõe que o árbitro deve ser imparcial e independente em relação às partes no momento da aceitação da sua nomeação, e assim deve permanecer durante o procedimento arbitral, até que seja proferida a sentença final ou que o procedimento termine definitivamente.

Discutia-se, a propósito desta regra, se o dever continuaria vigente, caso, embora encerrada a arbitragem, a sentença arbitral viesse a ser discutida judicialmente. 

A nota explicativa de tal regra foi alterada para esclarecer que o dever de imparcialidade e independência vigora até que a sentença arbitral seja proferida, ou que o procedimento arbitral seja definitivamente encerrado. Não se estende, portanto, ao período no qual a sentença arbitral é questionada perante o Poder Judiciário ou outros órgãos porventura competentes.

Conflitos de interesses e recusa de uma nomeação 

A regra geral n.º 2 estabelece quando um árbitro deve recusar uma nomeação ou cessar sua atuação, diante de um potencial conflito de interesses. 

Tal regra é orientada por dois testes. O teste subjetivo, contido no item 2 (a), informa que o árbitro deve declinar da indicação sempre que tiver dúvida quanto a sua capacidade de ser imparcial ou independente. 

Para eliminar uma avaliação meramente subjetiva do árbitro, as novas Diretrizes corroboram um segundo teste para a recusa ou afastamento de árbitros – item 2 (b) –, mas agora de caráter objetivo (teste do “terceiro razoável”). Deve-se indagar se uma terceira pessoa razoável, ao ser informada de fatos relativos ao árbitro, teria “dúvidas justificáveis” quanto à imparcialidade ou independência deste. A dúvida é reputada “justificável” se essa terceira pessoa, tendo conhecimento dos fatos, chegasse à conclusão de que existe a probabilidade de o árbitro ser influenciado por outros fatores que não o mérito da causa.

A alteração nas Diretrizes esclarece que, havendo a dúvida justificável (cujo rol exemplificativo está descrito na lista vermelha de situações não renunciáveis), o árbitro deve recusar indicação ou interromper sua atuação – em caso de procedimento já em curso.

Revelações dos árbitros

A nova versão das Diretrizes promove acréscimos na regra geral n.º 3, sendo que algumas inovações representam um reforço de noções que estavam originariamente em suas notas explicativas. Destacam-se, a seguir, as principais mudanças:

  • A regra geral n.º 3 (a) busca orientar quando um árbitro deve fazer a revelação sobre fatos que possam afetar sua imparcialidade. As Diretrizes da IBA confirmam que o dever de divulgação de um árbitro está submetido a um teste subjetivo: deve-se avaliar se determinados fatos ou circunstâncias “possam dar origem (…) aos olhos das partes” a dúvidas quanto à imparcialidade ou independência do árbitro. Por sua vez, o árbitro deve levar em conta todos os fatos e circunstâncias de que tem conhecimento, ao considerar se deve fazer uma divulgação. 
  • As Diretrizes esclarecem que, se um árbitro deve fazer uma revelação, mas é impedido por regras de sigilo profissional, ele não deve aceitar a indicação ou interromper a atuação – regra geral n.º 3 (e).
  • O estágio do procedimento arbitral não deve influenciar a decisão do árbitro no seu dever de revelação. Logo, ainda que a arbitragem esteja em fase avançada, qualquer fato ou circunstância que possa levantar dúvidas sobre a imparcialidade e independência do árbitro deve ser revelado.
  • A omissão do árbitro em divulgar determinado fato ou circunstância não implica necessariamente a existência de um conflito de interesses ou a necessidade de desqualificação – regra geral n.º 3 (g). 

Relações que podem indicar conflito de interesses

A regra geral n.º 6 analisa quais as relações podem constituir um conflito de interesses ou exigir a divulgação. A orientação explicativa confirma que uma regra aberta e abrangente não seria apropriada, já que as circunstâncias de cada relacionamento e a relevância para o assunto da disputa devem ser consideradas caso a caso. As novas Diretrizes incluem os seguintes esclarecimentos e ampliações:

  • É preciso avaliar o vínculo que um árbitro tem não apenas com um escritório de advocacia, mas também com a empresa que lhe emprega. A ampliação da regra serve para destacar que muitos árbitros podem não atuar em escritórios de advocacia, mas em empresas; 
  • É necessário levar em conta a estrutura organizacional e a prática de cada escritório de advocacia ou do empregador, para se identificar se existe um potencial conflito de interesses;
  • Adicionou-se um item específico para confirmar que qualquer pessoa jurídica ou física sobre a qual uma parte tenha controle pode ser considerada equiparável à própria parte, para fins de conflito de interesse.

As orientações explicativas confirmam que o IBA teve em mente o financiamento por terceiros, que podem ser considerados equiparados à parte.

Expansão da lista laranja

As novas Diretrizes trazem acréscimos significativos à lista de circunstâncias que exigem divulgação na lista laranja. A divulgação passa a ser exigida quando:

  • Dois árbitros trabalham no mesmo escritório de advocacia ou têm o mesmo empregador (item 3.2.1).
  • O árbitro foi indicado por uma das partes ou por uma afiliada, ou pelo mesmo advogado ou escritório de advocacia, para auxiliar em julgamentos simulados ou preparações de audiências em duas ou mais ocasiões, nos últimos três anos. Essa alteração é repetida no contexto de um árbitro que tenha sido indicado para fazer isso pelo mesmo advogado ou escritório de advocacia (embora nesse contexto seja em três ou mais ocasiões) (itens 3.1.4 e 3.2.10).
  • O árbitro atua ou atuou nos últimos três anos como perito ou especialista de uma das partes, ou foi nomeado pelo advogado em questões não relacionadas à arbitragem (item 3.1.6). Ou, ainda, o árbitro foi nomeado como perito, nos últimos três anos e em mais de três ocasiões, pelo mesmo advogado ou escritório de advocacia (item 3.29).
  • O árbitro e o advogado de uma das partes atualmente atuam juntos como árbitros em outra arbitragem (vide 3.2.12).
  • Os coárbitros atuam em conjunto em outra arbitragem (vide 3.2.13).
  • O árbitro tem instruído um perito que está participando do processo de arbitragem para outra questão em que o árbitro atua como advogado (3.3.6).
  • O árbitro tiver defendido publicamente uma posição sobre o caso, seja em artigos ou discursos, ou, ainda, em mídias sociais, ou em plataformas de redes profissionais on-line (3.4.2).
  • O árbitro ocupa um cargo executivo ou outro cargo de tomada de decisão na instituição administradora da disputa e, nesse cargo, participou de decisões relativas à arbitragem (3.4.3).

Conclusão

Dada a ampla aceitação das Diretrizes da IBA no cenário arbitral, sua compreensão e domínio são fundamentais, para a correta condução de procedimentos arbitrais. 

Podemos concluir que as Diretrizes revisadas compreendem muito mais uma modernização do que uma verdadeira revolução. Elas têm o mérito, acima de tudo, de enfatizar a importância da divulgação abrangente e transparente por parte dos árbitros e das partes, além de ter o caráter didático, a partir de uma enumeração detalhada de situações configuradoras de potenciais conflitos.

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