Síntese
O STJ decidiu que cooperativas médicas operadoras de planos de saúde podem pedir recuperação judicial. A Lei 14.112/2020 e o Art. 6º, § 13, da Lei 11.101/2005 confirmam essa possibilidade. O objetivo é preservar suas operações, renegociar dívidas e reestruturar atividades, beneficiando associados e o interesse público, evitando a descontinuidade de serviços essenciais.
Comentário
Para o mercado de operação de saúde, a recente decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) representa um marco de significativa relevância, especialmente para as cooperativas médicas que atuam como operadoras de planos de saúde. O colegiado firmou o entendimento de que tais entidades têm a prerrogativa de requerer os benefícios da recuperação judicial. Esta decisão, fundamentada no artigo 6º, parágrafo 13º, da Lei 11.101/2005, ganha contornos ainda mais nítidos e confirmados pelas alterações promovidas pela Lei 14.112/2020.
A importância desta deliberação reside na compreensão de que a recuperação judicial é um mecanismo estratégico essencial para a preservação da operação de cooperativas médicas. Conforme elucidado pelo ministro relator, Marco Buzzi, este instrumento permite que essas cooperativas renegociem suas dívidas e reestruturem suas atividades. O objetivo primordial não é apenas beneficiar os associados das cooperativas, mas também salvaguardar a comunidade em geral, que depende diretamente dos serviços de saúde oferecidos por essas entidades. A exclusão de tais organizações do regime de recuperação judicial acarretaria um risco iminente de insolvência, culminando na descontinuidade de serviços essenciais à população, o que seria manifestamente contrário ao interesse público.
A decisão do STJ reformou um acórdão anterior do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). O TJSP havia, de forma divergente, rejeitado um pedido de recuperação judicial de uma cooperativa, sob a alegação de que a Lei 11.101/2005 se aplicaria exclusivamente a empresários e sociedades empresárias. Na visão do TJSP, as cooperativas estariam sujeitas a um regime específico de enfrentamento de crises econômico-financeiras, regulamentado pela Lei 9.656/19984.
No entanto, o ministro Marco Buzzi, em seu voto, trouxe uma análise aprofundada da legislação, clarificando os limites e as exceções da Lei de Recuperação Judicial e Falências. Ele pontuou que o próprio texto legal excepciona expressamente sua aplicação apenas para categorias muito específicas de instituições. Estas incluem:
• Empresas públicas e sociedades de economia mista.
• Cooperativas de crédito.
• Entidades de previdência complementar.
É crucial destacar que, conforme a interpretação do STJ, as cooperativas médicas não estão nominalmente excluídas do regime recuperacional. O ministro Buzzi explicitou que a exceção contida no artigo 4º da Lei 5.764/1971 afasta tão somente a possibilidade de decretação de falência para cooperativas, não as excluindo, portanto, do instituto da recuperação judicial. Essa distinção é fundamental e estabelece um precedente importante para a gestão de crises no setor.
Além disso, a interpretação do artigo 6º, parágrafo 13º, da Lei 11.101/2005, especialmente após a sua inclusão pela Lei 14.112/2020, foi decisiva para confirmar que a vedação ao regime de recuperação não alcança a cooperativa operadora de plano de saúde. O ministro Buzzi salientou a evolução e a organização das operadoras de planos de saúde no Brasil. Segundo ele, as cooperativas médicas se transformaram em agentes econômicos organizados sob a forma de empresa. Apesar dessa nova configuração econômica, elas não estão imunes às turbulências de mercado, enfrentando os mesmos desafios de mercado e suscetibilidade a crises que acometem as demais empresas.
A inclusão explícita das sociedades cooperativas no âmbito da Lei 11.101/2005 é, para o relator, uma demonstração inequívoca de que o legislador reconheceu a vital importância de garantir a essas entidades a possibilidade de reestruturação financeira por meio da recuperação judicial. Este entendimento é ainda mais solidificado pelo papel social relevante que as cooperativas médicas desempenham no Brasil, contribuindo substancialmente para o acesso à saúde e para a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar como um todo. O sistema de saúde suplementar possui uma enorme relevância para o país, com milhões de pessoas vinculadas a planos de saúde.
Em síntese, a decisão do STJ não apenas pacifica a interpretação legal sobre a aplicabilidade da recuperação judicial às cooperativas médicas operadoras de planos de saúde, mas também reforça a visão de que a saúde é um serviço essencial e que a continuidade das operações dessas cooperativas é vital para o interesse público e para a estabilidade do sistema de saúde suplementar. Para o mercado de operação de saúde, esta é uma salvaguarda jurídica que permite a reestruturação e a resiliência de um pilar fundamental no atendimento à saúde da população brasileira.