Parcelamento e quitação de débitos tributários em crimes contra a ordem tributária econômica

Aspectos legais acerca da suspensão e extinção da pretensão punitiva do Estado nos delitos da Lei n. 8137/90
Larissa Caxambú

Larissa Almeida

Advogada egressa

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Nos termos da Lei n. 8137/90, constitui crime contra a ordem tributária econômica reduzir ou suprimir imposto, contribuição social ou acessório, prevendo a lei uma séria de condutas, tanto de ordem material, ou seja, que dependem para a sua concretização um resultado naturalístico (artigo 1º), quanto de ordem formal, que se caracterizam pela simples ação do agente coma prática da conduta prevista no tipo, sem, contudo, exigir a necessidade da ocorrência do resultado (artigo 2º).

No tocante à responsabilidade ativa, configuram-se como sujeitos dos delitos descritos tanto o contribuinte (artigo 121 e 122 do CTN) como o responsável tributário (artigo 128 do CTN). Neste caso, enquadrando-se tanto administrador como o proprietário da empresa, ou seja, quem de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorrer para os crimes previstos na Lei – artigo 11 da Lei n. 8137/90.

O bem jurídico tutelado seria a ordem tributária e por consequência patrimônio do Estado, consubstanciado no seu interesse precípuo de arrecadar. Assim denota-se que tutela penal para essas condutas, de certa forma, distancia-se de seu aspecto de subsidiariedade e intervenção mínima, transformando-se unicamente numa via oblíqua para a percepção de valores em prol do Estado. Essa conclusão é perceptível pelos diversos privilégios concedidos ao sujeito, dentre estes a possibilidade de parcelamento e quitação do débito tributário, que cominam com a suspensão e extinção da pretensão punitiva, que tiveram durante os últimos anos diversas modulações.

Inicialmente, o artigo 14 da Lei 8.137/90 previa expressamente a possibilidade de extinção da punibilidade quando o agente promovesse o pagamento do débito tributário, desde que efetivado antes do recebimento da denúncia. Tal dispositivo foi revogado pela Lei 8.393/91, mas novamente implementado no ordenamento jurídico pela Lei n. 9.249/95, em seu artigo 34. Aqui, a simples adesão ao parcelamento, mesmo sem a quitação do débito tributário, ensejaria a extinção da punibilidade.

Para evitar a concessão inapropriada dessa benesse (adesão e posterior descumprimento do parcelamento), consolidou-se então a possibilidade da “suspensão da pretensão punitiva” (artigo 15 da Lei 9.964/00 -REFIS). Assim, com o parcelamento consolidou-se a suspensão do processo e consequentemente da própria prescrição. Unicamente com o pagamento integral do débito tributário haveria a extinção da punibilidade.

Posteriormente, em que pese a Lei n. 10.684/2003 tenha retirado inicialmente o aspecto temporal (recebimento da denúncia) para as hipóteses de quitação, com o advento da Lei n. 12.382/11 restabeleceu-se tal regra temporal na hipótese de suspensão da pretensão punitiva, com o parcelamento do débito tributário.

Assim, no tocante ao parcelamento do crédito, e tratando-se das hipóteses do artigo 1º da Lei n. 8137/90 (crimes materiais, com sua configuração somente após o lançamento definitivo do tributo – Súmula vinculante n. 24 do STF), o entendimento majoritário é de que ocorrendo sua constituição até 28/02/2011, data da vigência da Lei n. 12.382/11, não haverá a aplicação da lei mais gravosa, tendo o acusado direito à suspensão da pretensão punitiva se efetivado o parcelamento, independentemente de ter havido ou não o recebimento da denúncia. Nesse sentido é o entendimento do e. STJ RHC 94845/PR, j. 26.06.2018, RHC 86857/SP, 12.06.2018 e REsP 1524525/MG, j. 28.11.2017.

Já no que concerne à quitação do débito tributário, necessário ressaltar que para o e. STF existiria uma convivência harmônica entre as Leis n. 10.684/2003 e 12.382/11. Para esse Tribunal Superior, a Lei n. 12.382/11 tratou unicamente das hipóteses de extinção da punibilidade em razão do parcelamento (antes do recebimento da denúncia – suspensão da pretensão punitiva do Estado), não influenciando nas hipóteses de extinção de punibilidade pela quitação do débito tributário, que poderia ser realizado a qualquer tempo, inclusive após o trânsito em julgado, permanecendo hígida a regra do artigo 10.684/2003 (RHC 128.245/SP, Relator Min. Dias Toffoli, j. 23.08.2016).

Já no âmbito do e. STJ, especificadamente no tocante à extinção da punibilidade, firmou-se inicialmente o entendimento de que a quitação realizada após o recebimento da denúncia somente seria apta a ensejar a extinção da punibilidade caso fosse realizado em momento anterior ao trânsito em julgado da sentença acusatória (HC 90.308/SP, Ministro Nefi Cordeiro, j. 02/06/2015). No final do ano passado, entretanto, reconheceu-se a possibilidade de ocorrência da quitação mesmo após ao trânsito em julgado. No julgamento do HC n. 362.478/SP, o Relator Ministro Jorge Mussi justificou tal entendimento pelo fato de que se o próprio legislador, “no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, optou por retirar o marco temporal previsto para o adimplemento da obrigação tributária redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, é vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite, ou seja, dizer o que a Lei não diz, em verdadeira interpretação extensiva não cabível na hipótese, porquanto incompatível com a ratio da legislação em apreço”.

Importante aqui somente destacar que se o pagamento da dívida tributária ocorrer antes ou depois do trânsito em julgado, notadamente as consequências legais advindas são distintas. Sendo a hipótese de extinção da punibilidade, diga-se a quitação, antes do trânsito da sentença condenatória, haverá o desaparecimento por completo o direito de punir do Estado. Já na hipótese de quitação após o trânsito em julgado, apesar de não haver a imposição da pena, subsistirão os efeitos da condenação, sendo o sujeito ativo considerado reincidente.

Resumindo-se:

1. Parcelamento legal até 28.02.2011: suspensão da pretensão punitiva mesmo após o recebimento da denúncia;
2. Parcelamento legal após 28.02.2011: suspensão da pretensão punitiva somente se o parcelamento for realizado antes do recebimento da denúncia;
3. Quitação do débito tributário: pode ser realizado a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado, ocorrendo a extinção da pretensão punitiva/executória.

Pelo breve resumo trazido, denota-se que a criminalização das condutas supracitadas não seria o meio mais adequado (maior eficácia com sanções meramente administrativas), subsistindo até um caráter de impunidade diante das diversas benesses previstas em lei, que retiram a própria eficácia da tutela penal.

Observa-se, assim, que a tipificação dos ilícitos em questão traz um caráter coativo voltado unicamente à arrecadação e não efetivamente a aplicação da pena – essência do poder punitivo. A corroborar tal entendimento, observa-se a recente decisão proferida pelo STJ no HC n. 399.109/SC (22.08.2018) ao reconhecer como apropriação indébita tributária (anteriormente denominada mero inadimplemento fiscal), para quem, mesmo apresentando declaração verdadeira, deixa de transferir ao fisco o ICMS cobrado dos consumidores, indo de encontro com o próprio entendimento já sedimentado pelo STF da vedação da prisão por dívida.

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