Disputas nos contratos de engenharia e construção: particularidades e medidas preventivas

Compreenda os principais temas levados à discussão nos conflitos de engenharia e construção.
Bruno-Marzullo-Zaroni

Bruno Marzullo Zaroni

Head da área de contencioso e arbitragem

Compartilhe este conteúdo

Empreendimentos no setor da engenharia e construção exigem uma ampla gama de atividades, que podem envolver atos de incorporação e construção, além de variados serviços de engenharia (civil e mecânica), não raramente acompanhados de obrigações de fornecimento de materiais e mão de obra. 

Nesse ambiente, uma disciplina contratual bem estruturada é absolutamente indispensável, sobretudo porque as atividades de engenharia e construção são caracterizadas pela complexidade técnica e pela vasta quantidade de atividades que sucedem simultaneamente e de forma interativa. Constata-se aqui um ambiente no qual convivem vasto número de prestadores e complexas exigências tecnológicas e gerenciais.

Por isso, o arcabouço contratual deve não apenas regulamentar as relações entre as partes envolvidas, mas criar um ambiente propício à boa execução dos trabalhos e à mitigação de conflitos. 

Embora os envolvidos num dado projeto construtivo possuam objetivos convergentes, isso não impede que interpretações divergentes – e conflitos – possam surgir, seja quanto às obrigações recíprocas (suas especificidades e alcance), seja quanto à forma de execução contratual – que geralmente se prolonga no tempo e é suscetível ao influxo de inúmeros fatores (variação de custos, inflação, alterações de projetos, eventos imprevisíveis, por exemplo).

Não é raro ainda que esse ambiente complexo seja foco de conflitos de diversas ordens, abrangendo uma pluralidade de sujeitos – sobretudo em contratos de grande porte e de longa duração. Não é incomum que surjam dissensos envolvendo múltiplas partes (contratantes, empreiteiros contratados, subcontratados, fornecedores, projetistas, garantidores e seguradoras, por exemplo). Isso porque, seja no fracionamento da cadeia de prestadores, seja na implementação de grandes projetos construtivos, torna-se cada vez mais trivial a intersecção de contratos que, conquanto formalizados em instrumentos distintos e entre partes diversas, guardam entre si um vínculo finalístico e de dependência jurídico-econômica.

De um modo geral, a experiência nacional e internacional (ver aqui e aqui) indica que as principais disputas no segmento da construção têm origem nos seguintes temas:

  • Deficiências em especificações técnicas e falhas em projetos;
  • Atraso no acesso ao site da obra;
  • Deficiências no planejamento e gestão da obra;
  • Interpretações divergentes de aspectos técnicos e de projetos;
  • Ausência de licenças e autorizações;
  • Obstáculos de ordem ambiental;
  • Paralisações causadas por problemas técnicos surgidos durante a execução;
  • Reduções de recursos financeiros e atrasos nos pagamentos;
  • Modificações no escopo do projeto;
  • Inflação de custos;
  • Fatores imprevisíveis impactando no equilíbrio econômico-financeiro;
  • Mudança da legislação no decorrer da obra (fato do príncipe);
  • Caso fortuitos e força maior; 
  • Descumprimento de prazos e atrasos em cadeia no cronograma;
  • Problemas com a qualidade da obra;
  • Atraso na entrega da obra;
  • Divergência entre os diversos prestadores a respeito de suas responsabilidades.

De um modo geral, os conflitos do segmento frequentemente podem ser consolidados em três grandes categorias: aqueles relacionados a vícios e anomalias (tanto no design, quanto na execução), os associados a atrasos e, finalmente, os relacionados a custos extras (via de regra, em virtude de alterações de escopo ou em decorrência do desequilíbrio econômico-financeiro).  Pleitos sobre vícios e imperfeições usualmente debatem custos para correções, depreciação de valor, falta de funcionalidade e pretensões indenizatórias. Por outro lado, os conflitos relacionados a custos adicionais e atrasos surgem de discussões concernentes a aumento do escopo, incidência de circunstâncias não previstas, atraso na conclusão, improdutividade e extensão de prazos.

E nem sempre é fácil, em caso de conflitos complexos, individualizar a responsabilidade de cada um dos participantes, especialmente em empreendimentos de maior envergadura. A extensão do cronograma, com desrespeito aos prazos e aumento de custos, deu-se porque o dono da obra falhou na elaboração das especificações técnicas? Foi causada por falhas do responsável pelos projetos ou quiçá pela imperícia técnica de um dado prestador? 

Fato é que a resolução destes conflitos depende não apenas da análise dos termos dos contratos e da alocação de riscos ali realizada (sobre o tema, consultar aqui nosso artigo anterior), mas também do escrutínio da documentação relativa ao empreendimento (projetos, relatórios diários de obra, atas de reunião, cartas, e-mails, registros de não conformidades, boletins de execução, cronograma, histograma de mão de obra, entre outros), que tem papel absolutamente crucial.

Diante da relevância da documentação técnica, grande parte das disputas judiciais ou arbitrais poderia ser evitada, ou, quanto menos, redundar em soluções consensuais ou resultados favoráveis pela adoção de precauções eficientes, tal como o registro preciso de intercorrências havidas ao longo da execução da obra, manutenção de relatórios (sobretudo, o relatório diário de obra) e a conservação preventiva de outras provas. Tendo isso em vista, os players do segmento podem adotar medidas preventivas e estratégias para mitigar potenciais litígios.

Conclui-se com a constatação de que os conflitos no setor de engenharia e construção refletem a complexidade inerente a projetos que envolvem múltiplas partes, vasta regulamentação e intricados detalhes técnicos. Tais disputas não só afetam o progresso imediato das obras, mas também têm implicações financeiras, legais e reputacionais para as partes envolvidas. A prevenção através de contratos precisos, comunicação eficaz e gestão proativa é essencial. 

Porém, quando surgem desentendimentos inconciliáveis, a resolução, seja pela via judicial, seja por meios alternativos (tal como os dispute boards e, sobretudo, pela via da arbitragem), torna-se uma ferramenta valiosa para assegurar que os interesses dos envolvidos sejam adequadamente resguardados.

Gostou do conteúdo?

Cadastre-se no mailing a seguir e receba novos artigos e vídeos sobre o tema

Quero fazer parte do mailing exclusivo

Prometemos preservar seus dados pessoais e não enviar spam
Recomendamos a leitura da nossa Política de Privacidade.