Contratos do setor de construção civil, principalmente quando versam sobre grandes obras ou regulam negócios com a Administração Pública, se revelam instrumentos de considerável complexidade: não apenas pela longa duração usual de obras de infraestrutura ou pelos altos valores envolvidos, mas principalmente pelos vários interesses investidos e termos pactuados entre as partes. Assim, o risco de eventuais conflitos, principalmente judiciais, é sempre acentuado, devendo ser contornado pelas partes a fim de evitar prejuízos à consecução do próprio objeto do contrato.
Neste sentido, ganhou força nos últimos anos no Brasil a inserção, nestes contratos, de cláusulas que obrigam a criação, no âmbito da relação negocial, de Dispute Boards, ou Comitês de Resolução e Prevenção de Disputas, um mecanismo de resolução de conflitos capaz de dirimir eventuais litígios entre as partes no âmbito do contrato, antes mesmo da condução da questão à jurisdição estatal ou arbitral. Ficam, assim, prevenidas dispendiosas e longas disputas judiciais, resolvendo-se as controvérsias e permitindo-se a continuidade da relação negocial e da prestação pactuada entre as partes, desfecho positivo principalmente para os contratos de longa duração.
A despeito de relativamente recente no Brasil, a aplicação deste método não é nova: já na década de 60 do século passado a ferramenta era utilizada nos Estados Unidos como forma de fornecer, à indústria da construção civil, métodos de resolução de disputas rápidos, imparciais e que entregassem bom custo-benefício em contraposição às onerosas disputas judiciais. O primeiro uso registrado nestas condições se deu no contrato para a construção da Boundary Dam, usina hidrelétrica no estado de Washington, nos Estados Unidos, inaugurada em 1967, após mais de quatro anos de trabalhos. A ideia funcionou e, nas décadas seguintes, a ferramenta passou a ser amplamente utilizada em contratos desta natureza, não apenas no continente americano, mas em todo o mundo.
O reconhecimento da eficácia do método se verifica pela sua inclusão nos modelos de contratos-padrão da FIDIC, a Fédération Internationale des Ingénieurs–Conseils, uma das mais antigas e relevantes standards organizations do mundo, que cria, promove e difunde regras para as indústrias de engenharia e construção civil. Em geral, os modelos contratuais da FIDIC contêm previsão para a criação de Dispute Boards em três formas principais: Dispute Review Board (DRB), Dispute Adjudication Board (DAB) e Combined Dispute Board (CDB). O primeiro se volta à emissão de recomendações que as partes podem ou não seguir; o segundo emite decisões vinculantes que as partes são obrigadas a observar; e o terceiro combina as duas alternativas anteriores, podendo emitir recomendações ou decisões vinculantes.
Os três seguem uma mesma formatação: são compostos, usualmente, por um número – em geral de um a três – de profissionais independentes e com comprovada capacidade técnica, de áreas diversificadas, porém relacionadas ao contrato, que podem, de acordo com o instrumento contratual, acompanhar de forma periódica o andamento da execução ou se reunir especificamente para a solução de determinado litígio, à luz das disposições constantes no contrato. Caso as partes assim prefiram, e de forma a manter as disposições contratuais menos carregadas, os Dispute Boards podem, ainda, ser formados com base nos regulamentos de câmaras voltadas à resolução de disputas, como as câmaras arbitrais e de comércio, que contam, hoje em dia, com todo o ferramental para possibilitar a criação destes comitês.
Na prática brasileira, importante ressaltar que a utilização dos Dispute Boards nos contratos de infraestrutura com a Administração Pública é possibilidade não apenas consolidada, como abertamente recepcionada e autorizada pela nova Lei de Licitações (Lei n.º 14.133/21), que determina, em seu art. 151, que poderão ser utilizados nas contratações públicas “(…) meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem.”. Mais: conforme o disposto no art. 153 da referida lei, os contratos poderão ser aditados para a inclusão de métodos alternativos de resolução de controvérsias, o que possibilita a adoção dos Dispute Boards mesmo que o contrato originário não contenha tal previsão.
Esta autorização legal vem na esteira de leis estaduais e municipais que já regulamentavam de forma mais detalhada a instituição dos Dispute Boards, como se verifica na Lei Municipal
n.º 16.873/2018, da cidade de São Paulo – SP, e na Lei Municipal n.º 11.241/2020, de Belo
Horizonte – MG, pioneiras na matéria, estando também em consonância com algumas inovadoras – e louváveis – decisões judiciais, como no Recurso Especial n.º 1.549.422/RJ, no qual a Terceira Turma do STJ reconheceu, já em 2016, a existência e aplicabilidade destes comitês como mecanismos de resolução de litígios.
Assim, mostram-se os Dispute Boards ferramentas capazes de dirimir adequadamente os conflitos e as controvérsias surgidas no bojo dos contratos da construção civil, inclusive se uma das partes contratantes for a Administração Pública, possibilitando, às partes, a resolução ágil de questões que, de outra forma, poderiam gerar arrastadas disputas na justiça e elevados gastos com processos judiciais ou procedimentos arbitrais. Trata-se de solução que consagra a segurança jurídica e previne o envenenamento das relações contratuais, protegendo, também, ao cabo, a regular execução do objeto pactuado entre as partes.